INTRODUÇÃO BÁSICA
UM CURSO EM MILAGRES DE KENNETH WAPNICK
Transcrição de Palestra

Esta é a transcrição de uma palestra com a duração de um dia que eu dei em Madison, Connecticut, USA em de maio de, como parte de um retiro de dias dirigido por Tara Singh. Nós a estamos publicando agora em resposta a múltiplos pedidos para que fizéssemos uma apresentação breve dos princípios de Um Curso em Milagres e especificamente para transcrevermos a dita palestra.

- A HISTÓRIA DE UM CURSO EM MILAGRES.

Uma das coisas mais interessantes a propósito de como Um Curso em Milagres que chegou a ser escrito é que o próprio processo da sua transcrição e a história em torno disso nos dão um exemplo perfeito do que são os princípios básicos do Curso. A mensagem central do Curso é que a salvação vem a qualquer momento que duas pessoas se unem para compartilhar um interesse comum, ou trabalhar para uma meta comum. Isso sempre envolverá algum aspecto do perdão, sobre o qual falaremos mais adiante.

As duas pessoas responsáveis por Um Curso em Milagres foram Helen Schucman, que morreu em fevereiro de e William Thetford, o Bill, que morreu em julho de. Ambos eram psicólogos no Columbia Presbyterian Medical Center em New York City, USA. Bill tinha chegado primeiro, em, e era diretor do departamento de psicologia. Helen se uniu a ele poucos meses depois. Durante os primeiros sete anos de seu relacionamento eles tiveram muitas dificuldades um com o outro. Suas personalidades eram totalmente opostas. Ainda que trabalhassem bem juntos em certo nível, no nível pessoal havia muita tensão e ambivalência. Não só tinham dificuldades em sua relação pessoal como também com outros membros do departamento, com outros departamentos dentro do Medical Center e em seu trabalho com outras disciplinas em outros centros médicos. Essa era a atmosfera típica de uma grande universidade ou centro médico, e Columbia não era diferente de nenhum outro lugar.

O ponto crucial aconteceu durante um dia de primavera em quando Helen e Bill tinham que atravessar a cidade para ir ao Corneil Medical Center onde assistiriam a uma reunião interdisciplinar da qual participavam regularmente. Em geral, essas eram reuniões desagradáveis, cheias de competitividade e rivalidade, ainda algo muito comum em meios universitários. Helen e Bill também participavam de tudo isso, sendo muito críticos e julgando outras pessoas. Mas nesse dia, exatamente antes de sair para a reunião, Bill, que era um homem calado e despretensioso, fez algo muito fora do normal para ele. Em um discurso passional ele disse a Helen que tinha que haver um jeito melhor de se lidar com essas reuniões e com os tipos de problemas que lá surgiam. Ele sentia que ambos deveriam ser mais capazes de aceitar e de amar em vez de estarem tão preocupados em competir e criticar.

A resposta de Helen foi igualmente inesperada e fora do comum para ela. Não apenas concordou com ele como também se comprometeu a ajudá-lo a encontrar esse outro jeito. Esse acordo não condizia com a sua maneira de ser habitual, pois os dois tendiam a se criticar mutuamente e tinham dificuldade de aceitar as opiniões um do outro. Essa união de ambas as partes foi um exemplo do que o Curso chama de um instante santo e, como eu disse no início, o instante santo é o meio da salvação.

Em certo nível do qual nenhum dos dois tinha consciência, aquele instante foi o sinal que abriu a porta para uma série de experiências que Helen começou a ter quando estava desperta e também em sonhos. Vou mencionar algumas que têm muita força tanto psiquicamente quanto em seus aspectos religiosos, pois a figura de Jesus começa a aparecer de forma cada vez mais regular. O que toma isso inesperado é a postura que Helen tinha assumido a essa altura de sua vida. Ela estava vivendo a dezena dos cinqüenta e tinha adotado o papel de uma ateísta militante, disfarçando com astúcia o seu amargo ressentimento contra um Deus que, na sua opinião, não havia agido bem com ela. Assim sendo, ela era agressiva diante de qualquer tipo de pensamento que julgasse duvidoso, ambíguo, ou impossível de ser estudado, medido e avaliado. Ela era uma excelente psicóloga, fazia pesquisa e investigações e tinha uma mente lógica, analítica, e aguda, sem nenhuma tolerância para qualquer idéia que se desviasse disso.

Desde pequena, Helen tinha uma certa capacidade psíquica de ver coisas que não estavam presentes. No entanto, ela nunca prestou muita atenção a isso, pensando que acontecia com todo mundo. Ela teve uma ou duas experiências místicas bastante impressionantes muito cedo, às quais também não deu atenção. De fato, ela praticamente nunca tinha mencionado essas coisas a ninguém até aquele momento. Assim, quando começou a ter essas experiências, foi tudo muito surpreendente. As experiências, além disso, também a assustavam, pois parte dela tinha medo de estar enlouquecendo. Essas não eram coisas normais em sua vida, e se Bill não tivesse estado lá, eu acredito que ela teria parado com todo o processo.

É muito importante reconhecer o quanto a ajuda e a união constante com Bill foram essenciais. De outro modo, Um Curso em Milagres nunca teria sido transcrito. Portanto, vocês estão vendo um outro exemplo do princípio básico do Curso em si mesmo expressado uma e outra vez, de muitas formas diferentes: “A salvação é um empreendimento de colaboração” (T-VI.:), “Na arca da paz só entram dois a dois” (T-.IV.:), “Ninguém pode entrar no Céu por si mesmo” (L-pl.:), e “juntos ou absolutamente não o fareis” (T-IV-D.:). Sem a união de Helen e Bill neste empreendimento, o Curso não existiria e nós não estaríamos reunidos aqui hoje falando sobre ele.

Helen teve uma série de experiências durante o verão, quase como um seriado. Essas vieram a ela em segmentos diferentes quando estava acordada, não foram sonhos. A série começou com ela andando por uma praia deserta e achando um barco na areia. Ela compreendeu que deveria colocar o barco na água. Mas não havia possibilidade de conseguir fazer isso, já que o barco estava encalhado na areia. E eis que um estranho apareceu e ofereceu-se para ajudá-la. No fundo do barco Helen então notou um instrumento antigo projetado para dar e receber mensagens. Ela disse ao estranho: “Talvez isso nos ajude”. Mas ele lhe disse: “Você ainda não está pronta para isso. Deixe isso de lado”. Mas ele tirou o barco da areia e o colocou na água. Sempre que surgiam problemas e mares tempestuosos, este homem aparecia para ajudá-la. Depois de algum tempo, ela reconheceu que o homem era Jesus, embora não se parecesse com a imagem que as pessoas usualmente associam a ele. Estava sempre ali para ajudá-la quando a coisa ficava feia.

Finalmente, na ultima cena desta série, o barco chegou à sua destinação no que parecia ser um canal, onde tudo estava calmo, sereno, e cheio de paz. Havia uma vara de pesca no fundo do barco e no fim da linha, no fundo do mar, havia uma arca do tesouro. Helen viu a arca e ficou toda excitada, pois naquele momento da sua vida ela gostava muito de jóias e de todo tipo de coisas bonitas. Ela estava querendo muito descobrir o que havia na arca. Ergueu a arca, mas ficou muito desapontada quando a abriu e viu um velho livro preto. Isto era tudo o que havia na arca. Na lombada do livro estava escrito o nome Aesculapius, o deus da cura dos gregos. Naquele momento Helen não reconheceu o nome. Só muitos anos depois, quando o Curso já estava todo datilografado e colocado em um fichário preto, ela e Bill se deram conta de que parecia ser exatamente igual ao livro que ela tinha achado na arca. Ela viu a mesma arca outra vez, mas desta vez havia um colar de pérolas em volta dela. Alguns dias depois, ela teve um sonho no qual havia uma cegonha sobrevoando algumas cidadezinhas e no seu bico um livro preto com uma cruz dourada em cima. E uma voz lhe disse: “Este é o seu livro”. (Isso foi antes da vinda do Curso).

Helen teve uma outra experiência muito interessante na qual ela se viu entrando em uma gruta. Era uma gruta muito antiga e no chão havia algo que se parecia com um pergaminho da Tora com duas varas, em tomo das quais o pergaminho estava enrolado. (A Tora é a primeira parte do Antigo Testamento). Era muito antigo. De fato, o pequeno barbante que o amarrava caiu e se desintegrou assim que Helen o apanhou. Ela olhou para o pergaminho e o desenrolou e no painel central estavam as palavras “DEUS É”. Ela pensou que aquilo era muito bonito. Então ela o desenrolou um pouco mais e havia um painel em branco à esquerda e outro painel em branco à direita. E essa voz lhe disse: “Se olhar para a esquerda, você será capaz de ler tudo o que jamais se passou no passado. E se olhar para a direita, será capaz de ler tudo o que se passará no futuro”. Mas ela disse: “Não, eu não estou interessada nisso. Tudo o que eu quero é o painel central”.

Ela então enrolou de novo o pergaminho de forma que a única coisa visível eram as palavras: “DEUS É”. Neste momento a voz lhe disse: “Obrigado. Desta vez você conseguiu”. Ela reconheceu então que havia tido sucesso em certo tipo de teste no qual obviamente tinha falhado antes. O que isso realmente exprimia era que ela tinha expressado o desejo de não usar equivocadamente a habilidade que possuía; em outras palavras, não usá-la para conquistar poder ou satisfazer a curiosidade. A única coisa que ela queria realmente era o presente, onde Deus é encontrado.

Há uma lição no livro de exercícios que diz: “Dizemos: ”Deus é” e então deixamos de falar”, porque não há nada mais a ser dito além dessas duas palavras (L-pI.l:). Eu penso que essa passagem se refere à experiência da gruta. O Curso enfatiza muito as idéias de que o passado não existe mais e de que não devemos nos preocupar com o futuro, que também não existe. Só devemos nos preocupar com o presente, já que este é o único lugar em que podemos conhecer a Deus.

Uma última estória: Helen e Bill estavam indo para a Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, para passar um dia estudando como os psicólogos de lá faziam suas avaliações psicológicas. Na noite anterior, Helen viu em sua mente o retrato perfeito de uma igreja que identificou em primeiro lugar como católica e depois percebeu que era luterana. Ela a viu tão claramente que a desenhou. Como estava olhando para baixo em sua visão, Helen se convenceu de que ambos, Bill e ela, a veriam quando seu avião estivesse descendo em Rochester. Essa igreja, nesse momento, passou a ser um símbolo importante e indicativo da sua própria sanidade, já que nesse período ela tinha dúvidas disso e realmente não entendia todas essas experiências internas. Sentia que se pudesse ver essa igreja teria mais confiança em não ter enlouquecido. Quando aterrissaram, no entanto, eles não viram a igreja. Helen ficou muito assustada e Bill então alugou um táxi para levá-los a todas as igrejas em Rochester. Acho que havia vinte e seis igrejas na cidade, mas eles não encontraram a igreja de Helen. Helen estava muito aborrecida, mas não havia nada mais a fazer naquela noite.

O dia seguinte foi muito ocupado e naquela noite eles voltavam para New York. Enquanto esperavam no aeroporto, Bill, que sempre tinha sido muito bom nesse tipo de coisa, comprou acidentalmente um livro sobre Rochester que ele imaginou que o marido de Helen, Louis, gostaria de ver. Esse livro incluía a história da Mayo Clinic e paginando-o ele viu uma foto exatamente igual à igreja que Helen tinha descrito. A igreja se situava no antigo terreno da Mayo Clinic, já que tinha sido demolida para a construção da clínica. Helen tinha olhado para baixo para vê-la porque ela já não se encontrava lá; ela estava olhando para baixo no tempo. Isso a fez sentir-se um pouco melhor, mas não foi o fim da estória.

Helen e Bill tinham que mudar de avião em Chicago. Já era tarde da noite e eles estavam muito cansados. Estavam sentados no terminal e Helen viu uma mulher sentada do outro lado da sala de espera, sem perturbar ninguém. Helen sentiu que a mulher estava muito aborrecida, apesar de não existirem razões aparentes que demonstrassem isto. Ela se dirigiu à mulher, uma coisa que normalmente não era do feitio de Helen; no entanto ela se sentiu compelida a fazê-lo. Não havia dúvida, a mulher estava mesmo muito perturbada. Ela tinha acabado de fugir de seu marido e de seus filhos e estava indo para New York, onde jamais estivera. Só tinha trezentos dólares, que ia usar para ficar em um hotel em New York e, finalmente, estava apavorada pois nunca havia viajado de avião. Helen foi amiga e trouxe-a para perto de Bill e, juntos, ambos cuidaram dela no avião. Ela sentou-se entre os dois e num determinado momento disse a Helen que planejava ficar na igreja luterana, já que era luterana. Helen, então, ouviu uma voz interior dizendo: “E essa é a minha verdadeira igreja”. Helen entendeu que Jesus queria lhe dizer que uma igreja verdadeira não é um edifício, mas ser capaz de ajudar e se unir a uma outra pessoa.

Quando chegaram a New York, Helen e Bill puseram sua nova amiga em um hotel e, de forma curiosa, encontraram-se com ela por acaso algumas vezes nos dias seguintes. Acho que Bill a encontrou uma vez no Bloomingdale’s, uma grande loja de departamentos em New York, e Helen convidou-a para jantar uma ou duas vezes. A mulher eventualmente acabou voltando para sua família, mas continuou a manter contato com Helen, enviando-lhe cartões de Natal, etc. Uma ocasião, ela telefonou quando eu estava lá. Essa estória é importante para demonstrar que não é o fenômeno psíquico que conta e sim o propósito espiritual subjacente, nesse caso a meta de ajudar uma outra pessoa.

Um dia em meado de outubro, Helen disse a Bill: “Acho que vou fazer algo muito inesperado”. Naquele momento, Bill lhe sugeriu que comprasse um caderno e anotasse todas as coisas que lhe viessem à cabeça, ou coisas que ouvisse, ou sonhos que tivesse. Helen começou a fazer isso. Ela conhecia taquigrafia e podia escrever com muita rapidez. Uma noite, umas duas semanas depois disso, ela ouviu essa voz lhe dizer: “Esse é um curso em milagres. Por favor, tome nota”. Ela foi tomada de tal pânico que ligou para Bill e lhe disse: “Essa voz não para de me dizer essas palavras. O que você acha que eu devo fazer?” Bill disse algo pelo qual as gerações futuras o chamarão de bem-aventurado. Ele disse:

“Por que você não faz o que a voz lhe diz?” Helen fez. Ela começou a tomar nota do ditado e sete anos depois isso veio a constituir os três livros a que chamamos Um Curso em Milagres.

A experiência de Helen com a voz foi como se ela tivesse um gravador interno. Podia ligar e desligar a voz quando quisesse. No entanto, não podia desliga-la por muito tempo ou ficava aborrecida. Podia anotar o que a voz lhe dizia apesar da rapidez da fala. Nisso, a sua taquigrafia lhe foi muito útil. E ela fazia aquilo totalmente consciente. Essa não era uma escrita automática; ela nunca entrava em transe ou coisa alguma desse tipo. Podia estar escrevendo e o telefone tocava; ela soltava a caneta, ia tomar conta do telefonema e depois voltava e acabava o que estava escrevendo. Muitas vezes, era capaz de recomeçar de onde havia parado. O que passa a ser ainda mais impressionante quando se pensa que muito do Curso é escrito em verso (pentâmetros iâmbicos) e que Helen conseguia fazer esse tipo de coisa sem perder a métrica ou o sentido daquilo que a voz lhe dizia.

Talvez a coisa mais assustadora de todas para Helen nessa experiência era que essa voz se identificava como Jesus. Um boa parte do curso é escrita na primeira pessoa, onde Jesus fala bastante sobre a sua crucificação. O Curso, no entanto, diz que não é necessário que se acredite que essa é a voz de Jesus para que se consigam benefícios com o que Um Curso em Milagres diz. Eu acho que facilita quando se acredita, pois não é necessário fazer ginástica mental enquanto se lê o material. Mas não é necessário acreditar nisso para praticar os princípios do Curso. O próprio Curso diz isto. Há um capítulo sobre Jesus no manual que diz que não é preciso que o aceitemos em nossas vidas, mas que ele poderia nos ajudar muito mais se nós o permitíssemos. (E-:-).

Não havia dúvida na mente de Helen de que essa fosse a voz de Jesus, e esse fato tornava tudo muito mais assustador. Não era uma experiência feliz para ela. Ela o fazia porque, de algum modo, acreditava que era isso o que tinha que fazer. Num dado momento, ela se queixou amargamente a Jesus: “Porque você me escolheu? Porque não escolheu uma boa freira ou alguém assim? Eu sou a última pessoa no mundo que deveria estar fazendo isso”. E ele respondeu: “Não sei porque você está dizendo isso, porque afinal de contas você está fazendo”. Ela não pôde discutir com ele, pois, de fato, já estava mesmo fazendo e obviamente era uma escolha perfeita.

Ela anotava as palavras do Curso todos os dias no seu caderno de estenografia. No dia seguinte, sempre que havia tempo em suas agendas super ocupadas, ela ditava a Bill o que tinha sido ditado a ela e ele então o datilografava. Bill brincava dizendo que ele precisava ter um braço em volta de Helen para ampará-la, enquanto datilografava com o outro. Helen tinha mesmo grande dificuldade para ler o que havia escrito. Foi assim que Um Curso em Milagres veio a ser transcrito. Repetindo, o processo ocorreu por um período de sete anos.

O Curso consiste em três livros, como a maioria de vocês sabe: um texto, um livro de exercícios para estudantes e um manual para professores. O texto, que é o mais difícil dos três para ser lido, contém a teoria básica do Curso. O livro de exercícios consiste em lições, uma para cada dia do ano, e é importante como uma aplicação prática dos princípios do texto. O manual de professores é um livro muito mais curto e é o mais fácil dos três livros para ser lido, pois contém respostas para algumas das perguntas mais comuns que uma pessoa possa ter. De fato, é um bom sumário de muitos dos princípios do Curso. Quase como um apêndice é o capítulo que trata do esclarecimento de termos, que foi feito alguns anos depois de Um Curso em Milagres ter sido terminado. Essa foi uma tentativa de definir algumas das palavras que são usadas. Helen e Bill não fizeram correções. Os livros como vocês os têm agora estão essencialmente tais quais foram transmitidos. As únicas mudanças que foram feitas ocorreram porque o texto veio inteiro e não estava dividido em partes ou capítulos. Não havia pontuação nem parágrafos. Helen e Bill fizeram o trabalho inicial de estruturar o texto e, quando eu apareci em, Helen e eu revisamos todo o manuscrito. Todos os capítulos e títulos, portanto, foram definidos por nós. O livro de exercícios não era problema porque veio com as lições e o manual de professores veio com as perguntas e respostas. Basicamente era só no texto que o problema existia, mas quase sempre o material foi ditado em seqüências lógicas, de forma que dividí-lo em partes e capítulos não foi difícil. Ao longo de todo o trabalho, sentimos que estávamos agindo de acordo com a orientação de Jesus de modo que tudo fosse como ele queria.

Logo que o Curso começou, havia muita coisa pessoal para Helen e Bill, para ajudá-los a compreender o que estava acontecendo e como poderiam se ajudar mutuamente. Isso incluía muita coisa apenas para ajudá-los a aceitar o que lhes estava sendo dado. Já que Helen e Bill eram psicólogos, havia comentários sobre Freud e outras pessoas para ajudá-los a fazer uma ponte entre o que eles conheciam e o que o Curso estava lhes dizendo. Jesus instruiu Helen e Bill para retirarem esse material por razões óbvias, já que não era pertinente ao ensinamento básico do Curso. O único problema que isso causou foi ter deixado alguns buracos em termos do estilo da língua. Nesses casos, algumas vezes nós acrescentamos uma ou duas frases, não devido ao conteúdo, mas para suavizar a transição de um tópico para outro. Isso só ocorreu bem no início.

O estilo dos primeiros quatro capítulos sempre foi um problema para nós. São algumas das passagens mais difíceis de ler. Eu acho que isso se deve ao material que foi suprimido, tornando o fluir da leitura um pouco fracionado. Nós tentamos fazer o melhor possível para facilitar o problema. Também vale a pena mencionar que, logo no início, Helen estava tão assustada com o que estava acontecendo que apesar de ser capaz de escutar o significado do que lhe estava sendo dito, o estilo e o fraseado eram prejudicados freqüentemente.

Bem no início, por exemplo, as palavras ‘Espírito Santo’ não foram usadas. Helen estava com tanto medo desse termo que Jesus usou uma expressão chamada o ‘Olho Espiritual’. Isso mais tarde foi substituído por o ‘Espírito Santo’ por instrução de Jesus. A palavra ‘Cristo’ também não foi usada no início pela mesma razão, mas foi ditada mais tarde. Contudo, depois de um ou dois meses Helen se sentia mais tranqüila, e a partir do Capítulo o Curso está agora virtualmente como foi dado.

Uma outra coisa que não foi posta foram as letras maiúsculas. A tendência de Helen para usar letras maiúsculas para qualquer palavra remotamente ligada a Deus passou a ser a praga da minha existência: que palavras seriam maiúsculas, que palavras não seriam. Certas palavras, no entanto, Jesus insistiu para que o fossem a fim de ajudar na compreensão.

Helen, que revisava muito bem e compulsivamente quando revisava material para publicações de pesquisa científica, era sempre tentada mudar certas palavras para que se adequassem às suas preferências estilísticas. Mas sempre lhe era dito que não fizesse isso, e ela obedecia, o que exigia uma boa dose de força de vontade. Em algumas ocasiões, ela mudou certas palavras, contudo, Helen tinha uma memória prodigiosa e se lembrava perfeitamente do que tinha feito. Acabava descobrindo duzentas ou trezentas páginas mais tarde que a razão pela qual determinada palavra tinha sido escolhida era porque seria citada e servia como referência para algo posteriormente. Assim sendo, ela sempre voltava atrás e mudava a palavra que tinha mudado antes.

Um Curso em Milagres foi terminado no outono de, e eu conheci Helen e Bill no inverno daquele mesmo ano. Um amigo mútuo, que era padre e psicólogo, fazia parte de seu treinamento sob a supervisão de Helen e Bill e sabia do Curso. Ele e eu nos tomamos amigos naquele outono. Nessa época eu estava a caminho de Israel, e poucos dias antes de minha partida ele insistiu para que eu conhecesse esses amigos seus. Nós passamos uma noite juntos, e esse livro sobre espiritualidade, que Helen tinha escrito, foi mencionado algumas vezes. Contudo, nada mais foi dito sobre o que era ou de onde tinha vindo.

Nós nos encontramos no apartamento de Bill e eu me lembro dele ter apontado para um canto onde havia uma pilha de sete grandes fichários que continham o Curso. Naquele ponto, eu não estava levando praticamente nada comigo para Israel e não achava que devia começar a colecionar bagagem com um daqueles volumes. Não obstante, eu estava intrigado com o que eles haviam dito, embora tivessem dito muito pouco. Mais tarde naquela noite, acompanhei o padre à sua residência, onde ele me disse que tinha uma cópia do livro, se eu tivesse interesse em vê-lo. Eu senti com muita força que não devia fazê-lo naquele momento, mas durante todo o tempo da minha estada em Israel fiquei pensando no livro. Eu tinha escrito uma carta a Helen dizendo-lhe que estava interessado em ver o seu livro quando voltasse. Ela mais tarde me disse que eu tinha escrito ‘Livro’ com um ‘L’ maiúsculo. Eu não tinha consciência de ter feito isso. Não costumo usar letras maiúsculas, mas evidentemente tinha acontecido.

Como disse antes, todo o tempo em Israel eu pensei nesse livro e achava que devia haver algo importante nele para mim. Voltei na primavera de, pretendendo ficar apenas algum tempo para visitar meus amigos e minha família e depois voltar para Israel para lá ficar em um monastério por período indeterminado. Mas eu estava muito interessado em ver o livro e era importante encontrar Helen e Bill. A partir do momento em que o vi, mudei de idéia a respeito da minha volta à Israel e me decidi ficar em New York.

Do meu ponto de vista, Um Curso em Milagres é a melhor integração que eu jamais vi de psicologia e espiritualidade. Naquela época eu realmente não sabia que havia algo faltando na minha vida espiritual, mas quando vi o Curso compreendi que, de fato, era aquilo que eu estava buscando. Quando a gente acha o que está buscando, não larga mais.

Uma das coisas importantes para saber a respeito do Curso é que ele torna muito claro que esse não é o único caminho para o Céu. No início do manual de professores há uma passagem que diz que essa é apenas uma forma do curso universal, entre milhares de outras (M-l.: -). Um Curso em Milagres não é para todas as pessoas e seria um erro pensar o contrário. Nada serve para todas as pessoas. Eu penso que este é um caminho importante que foi introduzido no mundo, mas não é para todas as pessoas. Àqueles para quem este não é o caminho, o Espírito Santo dará uma outra coisa.

Seria um erro uma pessoa batalhar com o Curso, se não se sente confortável com ele, e então vivenciar isso como um fracasso. Isso iria contra tudo o que o Curso diz. O propósito do Curso não é tornar as pessoas culpadas! É o contrário. Mas, para aquelas pessoas que sentem que este é o seu caminho, essa batalha através do Curso vale a pena.

P: Eu tinha entendido em determinado momento que existem muitas pessoas que começam, mas experimentam uma resistência tremenda.

R: Absolutamente certo. De fato, se alguém está fazendo o Curso sem nunca ter passado por um período no qual tenha jogado o Curso pela janela, ou em cima de alguém, ou no vaso, e dado a descarga, provavelmente não está fazendo o trabalho do Curso. As razões para isso serão mencionadas mais tarde com mais detalhes, mas em geral isso acontece porque Um Curso em Milagres vai contra tudo o que nós acreditamos. E não nos apegamos a nada com mais tenacidade do que ao nosso sistema de crenças, certo ou errado. Há uma frase no Curso que pergunta: “Preferes estar certo ou ser feliz?” (T-VII.i:). A maioria preferiria estar certa do que ser feliz. O Curso vai contra isso, e a sua descrição quanto a quão errado o ego realmente está é muito dolorosa. Como estamos muito identificados com o ego, lutaremos contra esse sistema. E mais uma vez, eu realmente estou falando sério quando digo que há algo errado se, em um momento ou outro, o estudante não experimentar resistência ou dificuldade com esse trabalho.

No início da época em que o Curso foi transcrito, havia literalmente meia dúzia de pessoas a par do assunto, ou talvez nem tantas. Helen e Bill o tratavam como se fosse um segredo escuro, profundo e cheio de culpa. Quase ninguém entre os seus familiares, amigos, colegas de trabalho sabia nada a respeito. Como parte do ‘plano’, pouco tempo antes da vinda do Curso, foi dado a eles um conjunto de salas que era bastante isolado e privativo. Puderam, então, fazer com que todo esse material fosse escrito sem interferir com o seu trabalho habitual, apesar do fato de estarem extremamente ocupados naquele período. Contudo, ninguém sabia dessa atividade. Eles literalmente mantiveram isso escondido como um segredo muito bem guardado, e esse ainda era o caso quando eu entrei em cena.

O primeiro ano que passei com Helen e Bill nós revisamos todo o manuscrito até que tudo ficasse como deveria ser. Todos os títulos foram checados e Helen e eu revisamos palavra por palavra. Esse processo levou um ano e quando o manuscrito estava terminado, nós o datilografamos de novo. Assim, por volta do fim de, ou início de, todo o Curso estava pronto. Mas, nós não sabíamos para que o tínhamos aprontado. De certa forma, ele continuava escondido, mas sabíamos que estava pronto.

Na primavera de, a próxima pessoa apareceu, e essa foi Judith Skutch. Como isso aconteceu é uma história interessante na qual eu não vou me alongar, contudo coisas inesperadas levaram a mais coisas inesperadas e ela apareceu com Douglas Dean. Alguns de vocês talvez conheçam Douglas, que é um famoso parapsicólogo. Eles vieram ao Medical Center uma tarde, aparentemente por algum outro motivo. Nós sentimos que devíamos compartilhar o Curso com Judy e Douglas e o fizemos. Naquele ponto foi como se ele tivesse saído das nossas mãos e passado às suas para o próximo passo. Isso eventualmente levou o Curso a ser publicado. Nós não tínhamos nenhuma experiência nessa área e não sentíamos que era nossa responsabilidade. Contudo, era nossa responsabilidade fazer com que ele estivesse nas mãos da pessoa certa e que isso fosse feito da forma certa, apesar de não sermos nós os agentes dessa vez. Essa era a função da Judy e ela a desempenhou realmente muito bem.

Vocês notarão nos livros que a data do copyright é, apesar da publicação ter sido em. Naquele verão um amigo de Judy na Califórnia fez uma tiragem de cópias do Curso em offset. Um Curso em Milagres não foi publicado na forma em que o temos hoje até. E isso significou um ‘milagre’ depois do outro. Foi verdadeiramente ‘milagroso’ como tudo aconteceu tão rápido. Os livros saíram pela primeira vez em junho de e agora () já foram feitas mais de edições.

A Fundação para a Paz Interior publicou e propagou Um Curso em Milagres. O Curso não é um movimento ou uma religião; não é mais uma igreja. Ao invés disso, é um sistema através do qual indivíduos podem encontrar o seu caminho para Deus e praticar os seus princípios. Como a maioria de vocês sabem, existem grupos de estudos em todo o país que nascem por si mesmos, e nós sempre sentimos que é muito importante que não exista uma organização que funcione como um órgão de autoridade.

Nenhum de nós queria ser colocado na função de guru. Helen era sempre clara a esse respeito. As pessoas vinham e quase literalmente sentavam aos seus pés e ela quase pisava nas suas cabeças. Ela realmente não queria de modo algum ser transformada na figura central do Curso. Ela sentia que a figura central do Curso era Jesus ou o Espírito Santo e assim devia ser. Isso era muito importante para ela. Fazer qualquer outra coisa teria sido construir uma estrutura semelhante a uma igreja, o que seria a última coisa no mundo que o autor do Curso gostaria que acontecesse.

P: Como as várias pessoas foram capazes de se manter ao longo desses anos?

R: Helen e Bill trabalhavam em horário integral e eu tinha um emprego de meio expediente no Medical Center, e uma clínica particular de psicoterapia. Eu conseguia cumprir as minhas responsabilidades rapidamente, de modo que o resto do tempo Helen e eu passávamos revisando o Curso e fazendo o que havia a ser feito. Tudo foi feito no nosso tempo ‘livre’, mas eu acho que naquele momento os nossos empregos eram o nosso tempo livre. Todavia, enquanto o Curso era transcrito, tanto Helen quanto Bill estavam extremamente ocupados com suas respectivas tarefas profissionais.

P: Algo foi dito a propósito da época em que o Curso veio? Porque naquele momento?

R: Sim. No início do ditado Helen recebeu uma explicação sobre o que estava acontecendo. Foi dito a ela que havia uma “aceleração celestial”. O mundo não estava em boa forma, disse-lhe Jesus, o que era óbvio para qualquer um que olhasse em volta. Isso foi na metade dos anos, e o mundo parece estar ainda pior agora. As pessoas enfrentavam muitas dificuldades e alguns estavam sendo chamados a contribuir com as suas habilidades particulares para essa aceleração celestial, como uma forma de ajudar a melhorar as coisas no mundo. Helen e Bill eram apenas dois dos muitos que estavam contribuindo com as suas habilidades particulares para esse plano. Nos últimos anos houve uma proliferação de material literário que pretende ter sido inspirado. O propósito de tudo isso é ajudar as pessoas a mudar de idéia sobre a natureza do mundo. Mais uma vez, Um Curso em Milagres é apenas um dos muitos caminhos. Isso é importante. Eu enfatizo isso devido ao problema mais difícil que o Curso aborda, do qual falaremos mais adiante: relacionamentos especiais.

Formar um relacionamento especial com o Curso é muito tentador, fazendo dele algo muito especial de um modo negativo. Quando falarmos sobre relacionamentos especiais mais tarde, tudo isso ficará mais claro.

- MENTALIDADE UNA - O MUNDO DO CÉU

Uma forma talvez útil de apresentar o material em Um Curso em Milagres é dividi-lo em três partes, já que o Curso realmente representa três sistemas de pensamento diferentes: Mentalidade Una, que representa o mundo do Céu; mentalidade errada, que representa o sistema de pensamento do ego; e mentalidade certa, que representa o sistema de pensamento do Espírito Santo.

Também é útil no início que se note que Um Curso em Milagres é escrito em dois níveis. O primeiro nível representa a diferença entre a Mente Una e a mente dividida, enquanto o segundo nível contrasta a mentalidade errada com a mentalidade certa. No primeiro nível, por exemplo, o mundo e o corpo são considerados como ilusões feitas pelo ego. Assim simbolizam a separação de Deus.

O segundo nível tem relação com esse mundo onde nós acreditamos estar e nesse nível o mundo e o corpo são vistos como neutros e podem servir a um dos dois propósitos. Para a mente errada do ego, são instrumentos usados para reforçar a separação. Para a mente certa, são as ferramentas de ensino do Espírito Santo, através das quais aprendemos as Suas lições de perdão. Portanto, nesse segundo nível, as ilusões se referem às percepções equivocadas do ego; por exemplo: ver ataque ao invés de um pedido de amor; pecado ao invés de erro.

Com isso em mente, vamos então dar início a nossa discussão dos três sistemas de pensamento do Curso. Nós começaremos com o primeiro, que é na realidade o único, e é descrito no começo do texto como a Mentalidade-Una do Cristo ou de Deus. Esse é um sistema de pensamento que não tem nada a ver com este mundo. Falarei dele brevemente agora e depois nós o deixaremos de lado porque, com efeito, não é nesse aspecto que o Curso investe o seu trabalho. É o seu suporte e fundamento, mas não é realmente onde o trabalho tem que ser feito.

A Mentalidade-Una é o mundo do Céu, o que Um Curso em Milagres descreve como conhecimento. Uma das coisas difíceis, quando se chega ao Curso pela primeira vez, é que ele usa as palavras de um modo diferente daquele que é usado na linguagem comum. Se você impuser a sua própria compreensão a uma palavra no Curso, você terá muita dificuldade. Palavras tais como ‘pecado’, ‘mundo’, ‘realidade’, ‘Deus’, ‘Jesus’, ‘conhecimento’ etc., são usadas de modo um pouco diferente daquele usado normalmente. Se você fizer justiça ao Curso e quiser entender o que ele está dizendo, quer concorde com ele ou não, terá que compreender também o significado das palavras e como ele as emprega em seu próprio contexto.

Uma dessas palavras é ‘conhecimento’. O Curso não usa a palavra “conhecimento” como nós a usamos normalmente. O conhecimento se refere apenas a Deus e o mundo do conhecimento não tem nada a ver com este mundo. O conhecimento não é uma crença ou um sistema de pensamento. É uma experiência, e uma experiência que transcende todas as coisas desse mundo. Assim, o mundo do Céu ou o mundo do conhecimento ou o mundo espiritual de Deus são a mesma coisa. Quando Um Curso em Milagres fala do mundo do espírito, isso não tem nada a ver com o mundo material. O espírito é a nossa verdadeira realidade, o nosso verdadeiro lar, e mais uma vez não tem nada a ver com a nossa experiência com a realidade aqui.

O conceito central no Céu, ou o mundo do conhecimento, é a Trindade. Falarei brevemente a respeito da definição do Curso para a Trindade, mas em primeiro lugar permitam-me falar sobre uma outra coisa, e essa é uma objeção que muitas pessoas fazem em relação ao Curso: se o tema do Curso, seu pensamento em geral é de natureza universal—que todos somos um—porque ele veio em um formato especificamente cristão?

A resposta para isso faz sentido à luz de um dos princípios fundamentais do Curso: você tem que desfazer o erro onde ele se encontra. Não há dúvida de que a influência dominante no mundo ocidental é o cristianismo. Não existiu ainda um sistema de pensamento mais poderoso no mundo, quer você se identifique como um cristão ou não. Não há ninguém neste mundo, certamente não no mundo ocidental, que não tenha sido profundamente afetado pelo cristianismo. Quer nos identifiquemos com o cristianismo ou não, vivemos num mundo cristão. O nosso calendário é baseado no nascimento e na morte de Jesus. No entanto, a cristandade não tem sido muito cristã, o que não precisa sequer ser mencionado ao considerarmos a história das igrejas.

Como o cristianismo teve impacto tão forte no mundo, e ainda tem—e não tem sido um impacto muito cristão—era essencial que os erros do cristianismo fossem desfeitos em primeiro lugar, antes que qualquer outra coisa pudesse ser feita para mudar radicalmente o sistema de pensamento do mundo. É por isso, acredito eu, que Um Curso em Milagres veio nessa forma especificamente cristã. Assim sendo, qualquer um que leia o Curso, tendo tido uma base cristã, reconhecerá de início que o cristianismo ao qual o Curso se refere não tem nada a ver com o cristianismo que lhe foi ensinado. O marido de Helen, Louis, um homem muito identificado com o judaísmo, disse-me uma vez que ele sabia que se o Cristianismo tivesse sido como o Curso, o anti-semitismo nunca teria existido. Não há dúvida a respeito disso.

O Curso, portanto, veio na forma que veio para corrigir os erros introduzidos pelo cristianismo. Ao longo de todo o Curso, especialmente nos primeiros capítulos do texto, há numerosas referências a Bíblia (mais de) e muitas foram re-interpretadas. Os capítulos e tem, no início, parágrafos muito fortes sobre a crucificação nos quais Jesus coloca claramente o que estava errado na forma das pessoas compreenderem a sua crucificação. (T-I: T-I). Ele explica porque isso aconteceu e como todo um sistema de pensamento se desenvolveu a partir desse erro. A discussão de Jesus não é tradicionalmente cristã, apesar dos seus princípios serem cristãos no sentido que ele lhes deu originalmente.

É por isso que Um Curso em Milagres é cristão em sua forma e também é por isso que, muitas vezes ao longo do texto, Jesus nos diz que ele precisa do nosso perdão. Isso se aplica quer você seja cristão, judeu, ou ateu. Não há ninguém neste mundo que, em um nível ou outro, conscientemente ou não, não tenha feito de Jesus um inimigo. A razão disso é a mesma razão pela qual as pessoas acham que o Curso é um inimigo. Ele ameaça o próprio fundamento do sistema egótico. Assim, mais uma vez, antes de podermos nos mover além do que tem sido o cristianismo, primeiro temos que perdoá-lo. Mais uma vez, isso está totalmente dentro dos princípios do Curso.

O fato do Curso usar terminologia cristã tem sido uma pedra no caminho de praticamente todas as pessoas que o lêem. É obviamente uma pedra para aqueles educados como judeus, pois aos judeus é ensinado que ‘Jesus’ é uma palavra negativa bem cedo em suas vidas. É uma pedra no caminho da maioria dos cristãos porque o Curso expressa uma forma de cristianismo diferente do cristianismo que eles conhecem. Para um ateu, obviamente há problemas também. Mais uma vez, não há praticamente ninguém que não venha a experimentar alguma dificuldade com Um Curso em Milagres devido a sua forma. Portanto, o fato de ser cristão é deliberado; O fato de Jesus não esconder ser ele o autor também não é nenhum acidente. O propósito é realmente ajudar o mundo a perdoá-lo e a perdoar a si mesmo por suas interpretações equivocadas.

P: E a poesia?

R: Helen gostava imensamente de Shakespeare e o pentamétrico iâmbico que é encontrado na maior parte do Curso é do estilo de Shakespeare. Ha também muitas referências a peças de Shakespeare, e a versão bíblica que é citada é a King James. Contudo, ainda que haja alguns paralelismos marcantes com os ensinamentos bíblicos, o Curso, como eu disse antes, é realmente diferente do que poderíamos chamar de cristianismo bíblico.

Um comentário final: devido ao seu propósito de corrigir o cristianismo, o Curso usa palavras cristãs para a Trindade que são masculinas. Essa é uma outra objeção que muitas pessoas fazem ao Curso. A razão para isso é dupla. Uma é que a linguagem do judaísmo e do cristianismo tem sido masculinas e o Curso simplesmente a adota; a segunda parte tem a ver com a forma poética na qual a major parte do Curso é escrita. Ter que dizer ‘dele ou dela’ seria um pouco pesado. Isso faz parte das limitações da gramática inglesa. Por exemplo, se você faz alusão a uma pessoa do sexo masculino e na próxima frase quiser se referir a ela com um pronome, para estar gramaticamente correto, é preciso usar o pronome masculino. Esse é um aspecto estilístico da língua inglesa e o Curso simplesmente segue essas regras. Eu lhes garanto que o autor do Curso não faz distinções baseadas em sexo; Jesus não é machista.

A primeira Pessoa da Trindade, obviamente, é Deus. Deus é a Fonte de tudo o que é. O Curso freqüentemente refere-se a Ele como o Pai, que mais uma vez é claramente parte da tradição judaico-cristã. Ele também é chamado de Criador, e tudo vem d’Ele. A natureza de Deus, em essência, é puro espírito e, porque Deus é imutável, sem forma, eterno, e espiritual, nada que não compartilhe esses atributos pode ser real. É por isso que o Curso diz que o mundo não é real e não foi criado por Deus. O mundo é mutável; não é eterno, e a sua forma é material. Portanto, não pode ser de Deus.

A segunda Pessoa da Trindade é Cristo. O que aconteceu na criação é que Deus naturalmente estendeu a Si mesmo. O estado natural do espírito é estender-se e fluir. A extensão de Deus é criação e a criação é conhecida como o Filho de Deus ou Cristo. O que é difícil para a nossa compreensão nisso é que as únicas palavras ou conceitos que podemos usar são aqueles do nosso próprio mundo, um mundo feito de percepção, que é limitado por tempo e espaço. Esse é o universo material que nós fizemos para substituir o Céu. Contudo, a elaboração dessa idéia está além do escopo dessa palestra de um dia.

No Céu, todavia, não há tempo ou espaço. Quando pensamos em Deus estendendo a Si mesmo, a única imagem que podemos ter é baseada em espaço e tempo, que não seria correta. Como o Curso nos diz nessas ocasiões, não vale a pena nem tentar compreender algo que não pode ser compreendido. O livro de exercícios usa a expressão “devaneios sem sentido” (L-pI.:), e isso realmente é assim. Como Um Curso em Milagres declara, só podemos apreender a verdade através de uma experiência de revelação, e não poderíamos colocar isso em palavras; as palavras são apenas símbolos de símbolos — são, portanto, duplamente afastadas da realidade (M-:-O).

O Filho de Deus ou Cristo também estende a Si mesmo. A extensão de Deus é Seu Filho, e Ele é chamado Cristo. Cristo é um só: existe apenas um Deus e apenas um Filho. Em outras palavras, o Filho de Deus também estende o Seu espírito de modo similar a Deus estendendo Seu espírito. Isso nos leva a um dos termos mais ambíguos no Curso: “criações”. Quando o Curso se refere às criações, ele está se referindo as extensões do espírito de Cristo. Assim como Deus criou Cristo, Cristo também cria. E as extensões de Cristo no Céu são conhecidas como criações. Essa é uma área que o Curso não tenta explicar. Quando encontramos essa palavra é suficiente compreendermos que ela apenas significa o processo natural de extensão do espírito.

Um Curso em Milagres torna muito claro, e esse é um ponto muito importante, que apesar de nós, enquanto Cristo, criarmos como Deus, nós não criamos Deus. Nós não somos Deus. Somos extensões de Deus, somos Filhos de Deus, mas não a Fonte. Existe apenas uma Fonte e essa é Deus. Acreditar que somos Deus, que somos a Fonte do Ser, é fazer exatamente o que o ego quer, e isso é acreditar que somos autônomos e podemos criar Deus assim como Deus nos criou. Se você acreditar nisso, está construindo um círculo fechado do qual não há saída, porque está dizendo que você mesmo é o autor da sua própria realidade. O Curso se refere a isso, como o problema da autoridade. Nós não somos o autor da nossa realidade; Deus é. Uma vez acreditando que somos Deus, estamos nos colocando em competição com Ele e, nesse caso, realmente temos problemas. Este é, obviamente, o erro original, do qual falaremos logo adiante.

No começo, que transcende o tempo, havia apenas Deus e Seu Filho. Era como uma grande família feliz no Céu. Em um estranho momento, que na realidade nunca ocorreu, o Filho de Deus acreditou que ele podia se separar de seu Pai. Esse foi o momento no qual a separação ocorreu. Na verdade, como nos diz o Curso, isso nunca podia ter acontecido, pois como será possível uma parte de Deus se separar de Deus? Contudo, o fato de estarmos todos aqui, ou de pensarmos que estamos todos aqui, pareceria indicar outra coisa. O Curso não explica realmente a separação; apenas diz que é assim. Não tente perguntar como o impossível poderia ter acontecido, porque não poderia. Se perguntar como aconteceu, você cai de novo no erro.

No nosso modo de pensar, pareceu ter acontecido e a separação efetivamente ocorreu. Naquele mesmo instante em que acreditamos ter separado a nós mesmos de Deus, estabelecemos todo um novo sistema de pensamento (do qual falarei em apenas um minuto) e Deus enviou a Sua Correção para desfazer esse erro. Ele é a terceira Pessoa da Trindade. Isso se explica muito bem no Capítulo do texto se vocês quiserem estudar esse ponto mais a fundo. É a primeira vez que Jesus fala especificamente do Espírito Santo e explica o papel do Espírito Santo: Ele é a Resposta para a separação. No Curso, sempre que vocês encontrarem a palavra ‘Resposta’ com letra maiúscula, podem substituí-la por ‘Espírito Santo’.

Um Curso em Milagres descreve o Espírito Santo como o Elo de Comunicação entre Deus e Seu Filho separado (T-I.:l). Já que acreditamos que estamos separados de Deus—Deus está lá e nós estamos aqui—o Espírito Santo é a Resposta e desfaz a separação, pois atua como um elo entre o lugar onde pensamos estar e onde estamos verdadeiramente, que é de volta com Deus. O fato de existir um elo nos diz que não estamos separados. Assim, no momento que acreditamos existir uma separação, naquele mesmo instante Deus a desfez. E assim o desfazer da separação é o Espírito Santo.

Esse é o sistema de pensamento conhecido como Mentalidade Una, e é a base de sustentação para tudo que vamos abordar. Não é algo que possa ser compreendido, tem que ser aceito. Quando estivermos de volta ao Céu, nós compreenderemos e não teremos mais perguntas.

Capítulo / MENTALIDADE ERRADA:
O SISTEMA DE PENSAMENTO DO EGO


Os dois sistemas de pensamento que são críticos para a compreensão de Um Curso em Milagres são a mentalidade errada e a mentalidade certa. Como eu disse anteriormente, a mentalidade errada pode ser equiparada ao ego. A mentalidade certa pode ser equiparada ao sistema de pensamento do Espírito Santo, que é o perdão. O sistema de pensamento do ego não é muito feliz. O Curso torna muito claro que tanto o ego quanto o Espírito Santo são perfeitamente lógicos e consistentes em si mesmos. São também mutuamente exclusivos. Todavia, nos ajuda muito compreender exatamente o que é a lógica do ego, porque ele e muito lógico. Assim, uma vez que você perceba essa seqüência lógica, muitos pontos no texto, que de outra forma parecem obscuros, tornam-se bastante evidentes.

Uma das dificuldades ao estudarmos Um Curso em Milagres é que ele não se parece com nenhum dos outros sistemas de pensamento. A maioria procede de uma forma linear na qual você começa com idéias simples e vai construindo em cima delas em direção a complexidade. O Curso não é assim. O sistema de pensamento do Curso é apresentado de um modo circular. Parece andar em círculos sempre em volta do mesmo ponto uma e outra vez. Vamos pensar na imagem de um poço: você vai andando em círculos em volta do poço indo cada vez mais para baixo até chegar ao fundo. E o fundo desse poço seria Deus. Mas você continua andando em volta do mesmo círculo. Acontece que ao seguir cada vez mais para baixo, você se aproxima da fundação do sistema do ego. Mas é sempre a mesma coisa.

E é por isso que o texto diz a mesma coisa uma e outra vez. Como é quase impossível compreender isso da primeira vez, ou da centésima vez, você precisa das páginas. É um processo, e essa é uma das coisas que distinguem Um Curso em Milagres dos outros sistemas de espiritualidade. Apesar de ser apresentado como um sistema de pensamento bastante intelectualizado, é realmente um processo experimental. É escrito deliberadamente dessa forma, pois parte de um ponto de vista pedagógico e pretende nos fazer estudar de um modo diferente daquele que usaríamos para qualquer outro sistema, conduzindo-nos em volta desse poço. No processo de trabalhar com o material do Curso, e com o material das nossas vidas pessoais, nós compreenderemos cada vez mais o que o Curso nos diz.

Contudo, eu acho que nos ajuda bastante abordar o sistema de pensamento do ego de um ponto de vista linear, para podermos compreender como ele é construído. Isso fará com que seja mais fácil lermos o texto.
Pecado, Culpa, e Medo


Ha três idéias centrais para a compreensão do sistema de pensamento do ego. Esses são os fundamentos de todo o sistema: o pecado, a culpa, e o medo. Sempre que vocês virem a palavra ‘pecado’ no Curso, podem substituí-la pela palavra ‘separação’, porque as duas são a mesma. O pecado pelo qual nós nos sentimos mais culpados, que em última instância é a fonte de toda a nossa culpa, é o pecado de acreditarmos que estamos separados de Deus, o tópico que acabamos de descrever. Isso é em princípio a mesma coisa que as igrejas ensinaram como o ‘pecado original’. A descrição no terceiro capítulo do Gênesis nos dá um relato perfeito do nascimento do ego. De fato, o primeiro subtítulo do Capítulo no texto fala sobre isso (T-I. -).

Assim o início do ego é acreditarmos que estamos separados de Deus. O pecado é isso: acreditarmos que nos separamos de nosso Criador e constituirmos um ser que é separado do nosso Ser verdadeiro. O Ser é sinônimo de Cristo. Sempre que vocês virem a palavra ‘Ser’ com letra maiúscula, podem substituí-la por ‘Cristo’.

Nós acreditamos que constituímos um ser (com ‘s’ minúsculo) que é a nossa verdadeira identidade e esse ser é autônomo com relação ao nosso Ser real e com relação a Deus. Esse é o começo de todos os problemas no mundo: acreditarmos que somos indivíduos separados de Deus. Uma vez que acreditamos que cometemos esse pecado, ou uma vez que acreditamos que cometemos qualquer pecado, é psicologicamente inevitável nos sentirmos culpados por aquilo que acreditamos que fizemos. Em certo sentido, a culpa pode ser definida como a experiência de termos pecado. Assim, podemos basicamente usar pecado e culpa como sinônimos: uma vez que acreditamos que pecamos é impossível não acreditarmos que somos culpados, passando a sentir o que conhecemos como culpa.

Quando Um Curso em Milagres fala sobre culpa, usa a palavra de modo um pouco diferente daquele no qual ela é usada geralmente, que quase sempre serve para conotar que eu me sinto culpado por aquilo que fiz ou deixei de fazer. A culpa está sempre ligada a coisas específicas do nosso passado. Mas essas experiências conscientes de culpa são apenas como o topo de um iceberg. Se vocês pensarem num iceberg, abaixo da superfície do mar está essa massa gigantesca que representaria o que é a culpa. A culpa é realmente a soma total de todas as crenças, experiências e sentimentos negativos que jamais tivemos sobre nós mesmos. Assim, a culpa pode ser qualquer forma de ódio ou rejeição de si mesmo; sentimentos de incompetência, fracasso, vazio, ou a sensação de que há coisas em nós que estão faltando, ou estão perdidas, ou são incompletas.

A major parte dessa culpa é inconsciente; é por isso que a imagem de um iceberg é tão útil. A major parte das experiências que nos indicariam o quanto nós nos sentirmos mal estão abaixo da superfície da nossa mente consciente, o que faz com que sejam virtualmente inacessíveis a nós. E a maior fonte de toda essa culpa é acreditarmos que pecamos contra Deus por nos separarmos d’Ele. Como resultado disso, vemos a nós mesmos separados de todas as outras pessoas e do nosso Ser.

Uma vez que nos sentimos culpados é impossível não acreditarmos que seremos punidos pelas coisas terríveis que acreditamos ter feito e pelas coisas terríveis que acreditarmos ser. Como o Curso nos ensina, a culpa sempre exige punição. Uma vez que nos sentimos culpados, acreditaremos que temos que ser punidos pelos nossos pecados. Psicologicamente não há nenhuma forma de evitarmos esse passo. Então teremos medo. Todo medo, não importa qual pareça ser a sua causa no mundo, vem da crença de que eu devo ser punido pelo que fiz ou pelo que não fiz. E assim terei medo do que será essa punição.

Por acreditarmos que o objeto último do nosso pecado é Deus, contra o qual pecamos por nos separarmos d’Ele, acreditaremos então que será o próprio Deus que virá nos punir. Quando lemos a Bíblia e nos deparamos com todas aquelas passagens terríveis sobre a ira e a vingança de Deus, agora sabemos onde elas tiveram origem. Isso nada tem a ver com Deus como Ele é, já que Deus é apenas Amor. Todavia isso tem tudo a ver com as projeções da nossa culpa sobre Ele. Não foi Deus quem expulsou Adão e Eva do Jardim do Éden; Adão e Eva expulsaram a si mesmos do Jardim do Éden.

Uma vez que acreditamos haver pecado contra Deus, o que todos nós fazemos, temos que acreditar também que Deus nos punirá. O Curso nos fala dos quatro obstáculos para a paz, e o último obstáculo é o medo de Deus (T-IV-D). O que fizemos, e claro, por nos tornarmos amedrontados em relação a Deus, foi transformar o Deus do Amor em um Deus de medo: um Deus de ódio, punição e vingança. É justamente isso que o ego quer que façamos. Uma vez que nos sentimos culpados, pouco importa de onde acreditamos que venha essa culpa, também acreditarmos não apenas que somos culpados, mas que Deus nos vai atacar e matar. Assim, Deus, que é o nosso Pai cheio de amor e nosso único Amigo, vem a ser nosso inimigo. E Ele é um inimigo e tanto, nem sequer é preciso dizer. Mais uma vez, essa é a origem de todas as crenças que encontramos na Bíblia, ou em qualquer outro lugar, sobre Deus como um Pai que nos vai punir. Acreditar que Ele é assim é atribuir-Lhe as mesmas qualidades egóticas que nós temos. Como disse Voltaire: “Deus criou o homem à Sua própria imagem e depois o homem Lhe devolveu o cumprimento”. O Deus que nós criamos é realmente a imagem de nosso próprio ego.

Ninguém pode existir neste mundo com esse grau de medo e terror, e com essa intensidade de ódio e culpa contra si mesmo na sua mente consciente. Seria absolutamente impossível para nós vivermos com essa quantidade de ansiedade e terror. Isso nos devastaria. Portanto, tem que haver algum meio de lidarmos com isso. Como não podemos ir a Deus em busca de ajuda, já que dentro do sistema do ego nós transformamos Deus em um inimigo, o único outro recurso disponível é o próprio ego.

Nós vamos ao ego em busca de ajuda e dizemos: “Olhe, você tem que fazer alguma coisa, eu não posso tolerar toda essa ansiedade e todo o terror que sinto. Ajude-me!”. O ego, fiel à sua forma, nos oferece uma ajuda que não nos ajuda absolutamente, embora pareça que sim. A ‘ajuda’ vem em duas formas básicas e é, de fato, aqui que as contribuições de Freud podem ser verdadeiramente compreendidas e apreciadas.


Negação e Projeção

Eu acho que devo dar uma mãozinha a Freud, que tem recebido más críticas nos dias de hoje. As pessoas gostam muito de Jung e dos psicólogos não tradicionais, e com certa razão, mas Freud foi varrido para o pano de fundo. Contudo, a compreensão básica do ego no Curso se baseia diretamente nos ensinamentos de Freud. Ele era um homem brilhante, e se não fosse por Freud, Um Curso em Milagres não teria existido. O próprio Jung nos diz, apesar de todos os problemas que tinha com Freud, que ele estava sendo levado nas costas de Freud. E isso é verdade para todas as pessoas que vieram depois de Freud. Freud descreve de modo muito sistemático e muito lógico exatamente como o ego funciona.

Deixe-me apenas mencionar que Freud usa a palavra ‘ego’ de um modo diferente daquele usado pelo Curso. No Curso, ‘ego’ é usado basicamente com a mesma conotação que existe no Oriente. Em outras palavras, o ego é o ser com letra minúscula. Para Freud, o ego é apenas uma parte da psiquê, que consiste do id (o inconsciente), o superego (o consciente), e o ego, que é a parte da mente que integra tudo isso. O Curso usa a palavra ‘ego’ de formas que seriam basicamente equivalentes a psiquê total de Freud. Vocês simplesmente tem que fazer essa transição para trabalhar com o Curso.

Incidentalmente, o único erro de Freud foi monumental! Ele não reconheceu que toda a psiquê era uma defesa contra o nosso verdadeiro Ser, a nossa verdadeira realidade. Freud tinha tanto medo da sua própria espiritualidade que ele teve que construir todo um sistema de pensamento que era virtualmente impregnável à ameaça do espírito. E ele, de fato, fez exatamente isso. Mas foi brilhante ao descrever como a psiquê ou o ego trabalha. O seu erro, mais uma vez, foi não reconhecer que a coisa toda era uma defesa contra Deus. Basicamente, o que nós dissemos hoje a respeito do ego está baseado no que Freud havia dito. Nós todos temos para com ele um tremendo débito de gratidão. Particularmente notáveis foram as contribuições de Freud na área dos mecanismos de defesa, ajudando-nos a compreender como nos defendemos contra toda a culpa e medo que sentimos.

Quando vamos ao ego em busca de ajuda, abrimos um livro de Freud e achamos duas coisas que nos vão ajudar muito. A primeira é repressão ou negação. (O Curso nunca usa a palavra ‘repressão’; ele usa a palavra ‘negação’. Mas vocês podem usar uma ou outra). O que fazermos com essa culpa, esse senso de pecado, e com todo esse terror que sentimos é fazer de conta que não existem. Nós apenas os empurramos para o fundo, fora da consciência, e esse empurrar para baixo é conhecido como repressão ou negação.

Apenas negamos a sua existência para nós mesmos. Por exemplo, se estamos com muita preguiça de varrer o chão, varremos a sujeira para baixo do tapete e então fazemos de conta que não está ali; ou um avestruz que quando tem medo apenas enfia a cabeça na areia para não ter que lidar com o que o ameaça tanto, nem sequer se defrontar com isso. Bem, isso não funciona por razões óbvias. Se continuamente varremos a sujeira para baixo do tapete, ele vai ficar cheio de caroços e nós eventualmente vamos tropeçar, enquanto o avestruz pode se ferir muito continuando com a sua cabeça virada para baixo.

Mas, em algum nível, sabemos que a nossa culpa está lá. Assim, vamos ao ego mais uma vez para lhe dizer que “negar foi ótimo, mas você vai ter que fazer alguma outra coisa. Esse negócio vai subir e eu vou explodir. Por favor, ajude-me”. E aí o ego diz: “Eu tenho a coisa certa para você”. Ele nos diz para procurar na página tal e tal na Interpretação dos Sonhos de Freud e lá nós achamos o que se conhece como projeção. Provavelmente não há nenhuma idéia em Um Curso em Milagres que seja mais crítica para a nossa compreensão

do que essa. Se vocês não compreenderem a projeção, não compreenderão uma única palavra no Curso, nem em termos de como o ego funciona, nem em termos de como o Espírito Santo vai desfazer o que o ego tem feito. Projeção muito simplesmente significa que você tira alguma coisa de dentro de si mesmo e diz que realmente isso não está aí; está fora de você, dentro de outra pessoa. A palavra em si literalmente significa jogar fora, atirar algo a partir de, ou em direção a alguma outra coisa ou pessoa, e isso é o que todos nós fazermos na projeção. Nós tomamos a culpa ou o pecado que acreditamos estar dentro de nós e dizemos: Isso não está realmente em mim, está em você. Eu não sou culpado, você é culpado. Eu não sou responsável por ser miserável e infeliz, você sim é culpado pela minha infelicidade. Do ponto de vista do ego, não importa quem seja o ‘você’. Para o ego, não importa em cima de quem você projeta, contanto que ache alguém para descarregar a sua culpa. É assim que o ego nos diz para nos livrarmos da culpa.

Uma das melhores descrições que eu conheço desse processo de projeção se encontra no Velho Testamento, no Levítico, onde é dito aos filhos de Israel o que fazer no dia do perdão, Yom Kippur. Eles devem reunir-se e no centro do campo está Arão que, como Sumo Sacerdote, é o mediador entre o povo e Deus. Ao lado de Arão está um bode e Arão coloca a sua mão sobre o bode e simbolicamente transfere todos os pecados que o povo acumulou durante todo o ano para esse pobre bode. Eles, então, chutam o bode para fora do campo. Esse é um relato perfeito e gráfico do que é exatamente a projeção e, como não poderia deixar de ser, é daí que vem a expressão ‘bode expiatório’.

Assim, tomamos os nossos pecados e dizemos que eles não estão em nós, estão em você. Com isso colocamos uma distância entre nós mesmos e nossos pecados. Ninguém quer estar perto de seus próprios pecados, e assim nós os tiramos de dentro de nós e os colocamos em outra pessoa e depois banimos essa pessoa de nossa vida. Há duas formas básicas de fazermos isso. Uma é nos separarmos fisicamente dela; a outra é nos separarmos psicologicamente. A separação psicológica é realmente a mais devastadora e também a mais sutil.

O modo de nos separarmos de outras pessoas, uma vez tendo colocado nossos pecados sobre elas, é atacá-las ou ficar com raiva. Qualquer expressão da nossa raiva—seja na forma de um leve toque de aborrecimento ou fúria intensa (não faz nenhuma diferença; elas são a mesma [L-pI.: -J)— é sempre uma tentativa de justificar a projeção da nossa culpa, não importa qual pareça ser a causa da nossa raiva. Essa necessidade de projetar a nossa culpa é a raiz da causa de toda a raiva. Você não tem que concordar com o que as outras pessoas dizem ou fazem, mas no minuto em que experimenta uma reação pessoal de raiva, julgamento ou crítica, isso vem sempre porque você viu naquela pessoa alguma coisa que negou em Si mesmo. Em outras palavras, você está projetando o seu próprio pecado e culpa naquela pessoa e os ataca lá. Mas dessa vez, você não os está atacando em si mesmo, e sim naquela outra pessoa, que você quer tão longe quanto possível. O que você realmente quer fazer é conseguir que o seu pecado fique tão longe de si mesmo quanto possível.

Uma das coisas interessantes quando alguém lê o Velho Testamento, especialmente o Levítico ou terceiro livro da Tora, é ver como os filhos de Israel eram minuciosos em suas tentativas de identificar as formas de sujeira que estavam a sua volta e como deveriam manter-se separados de todas elas. Há passagens bastante detalhadas descrevendo o que é a sujeira, seja nas qualidades das pessoas, nas formas da própria sujeira ou em certas pessoas por si mesmas. Depois, explica-se como os filhos de Israel deveriam manter-se separados dessas formas de sujeira. Quaisquer que sejam as outras razões que podem ter estado envolvidas, um significado central desses ensinamentos era a necessidade psicológica de tirar a sua própria sujeira de dentro de você e colocá-la do lado de fora em outra pessoa, e depois separar-se daquela pessoa.

Quando se tem essa compreensão é interessante entrar no Novo Testamento e ver como Jesus era contra isso. Ele abraçou todas as formas de sujeira que as pessoas tinham definido e viam como parte essencial de sua religião manterem-se separadas daquilo tudo. Ele fazia questão de abraçar os elementos sociais identificados pela lei judaica como proscritos, como se estivesse dizendo: “Você não pode projetar a sua culpa nas outras pessoas. Você tem que identificá-la em si mesmo e curá-la onde ela está”. É por isso que os evangelhos dizem coisas tais como você deve limpar o interior do seu copo e não o exterior; não se preocupe com o argueiro no olho do seu irmão, preocupe-se com a trave no seu; não é o que entra no homem que faz com que ele não seja limpo, mas o que vem de seu interior. O sentido disso é exatamente o mesmo encontrado no Curso: a fonte do nosso pecado não esta fora, mas dentro. Mas a projeção busca fazer com que vejamos nossos pecados fora de nós, procurando então resolver o problema do lado de fora de modo que nunca possamos perceber que o problema esta dentro da gente.

Quando vamos ao ego em busca de ajuda e dizemos: “Ajude-me a me livrar da minha culpa”, o ego diz: “Está bem, o meio de você se livrar da sua culpa é em primeiro lugar reprimi-la, depois projetá-la para outras pessoas. É assim que você se livra da sua culpa”. O que o ego não nos diz é que projetar a culpa é um ataque e é a melhor maneira de conservarmos a culpa. O ego não é nenhum tolo: ele quer que continuemos culpados. Deixem-me explicar essa idéia brevemente porque ela é também uma das idéias centrais para compreendermos os conselhos do ego.

Um Curso em Milagres nos fala da “atração da culpa” (T-IV-A. -). O ego é muito atraído pela culpa, e os seus motivos são óbvios uma vez que você se lembre do que ele é. A explicação racional do ego para os seus conselhos de negação e projeção é a seguinte: o ego não é nada mais do que uma crença, a crença segundo a qual a separação é real. O ego é o falso ser que aparentemente passou a existir quando nós nos separamos de Deus. Portanto, enquanto acreditarmos que a separação é real, o ego continua em cena. Uma vez que acreditarmos que não há nenhuma separação, então o ego está terminado. Como nos diz o Curso, o ego e o mundo que ele fez desaparecem no nada de onde ele veio (M-l:). O ego não é nada realmente. Enquanto acreditarmos que aquele pecado original ocorreu, que o pecado da separação é real, estamos dizendo que o ego é real. É a culpa que nos ensina que o pecado é real. Qualquer sentimento de culpa é sempre uma declaração que diz: “Eu pequei”. E o significado último do pecado é que eu me separei de Deus. Portanto, enquanto eu acreditar que o meu pecado é real, sou culpado. Quer eu veja o meu pecado em mim ou em outra pessoa, estou dizendo que o pecado é real, e que o ego é real. O ego, portanto, tem interesse em nos manter culpados.

Sempre que o ego seja confrontado com a impecabilidade, ele vai atacá-la, pois o maior pecado contra o sistema de pensamento do ego é ser sem culpa. Se você é sem culpa, você também é sem pecado, e se você é impecável, não há ego. Há uma frase no texto que diz: “Para o ego, os que não tem culpa são culpados” (T-II.:), porque ser sem culpa é pecar contra o mandamento do ego: “Tu serás culpado”. Se você não tem culpa, você então passa a ser culpado por não ter culpa. Essa, por exemplo, foi a razão pela qual o mundo matou Jesus. Ele nos estava ensinando que somos sem culpa e, portanto, o mundo teve que matá-lo porque ele estava blasfemando contra o ego.

Assim sendo, o propósito fundamental do ego é manter-nos culpados. Mas ele não nos pode dizer isso porque, se o fizer, não vamos prestar nenhuma atenção a ele então ele nos diz que se seguirmos o que ele nos aconselha, ficaremos livres da nossa culpa. E o modo de conseguirmos isso, mais uma vez, é negar a sua presença em nós, vê-la em alguma outra pessoa e depois atacar essa pessoa. Assim ficaremos livres da nossa culpa. Mas, o que ele não nos diz é que atacar é o melhor meio de nos manter culpados. Isso é verdade porque, como declara um outro axioma psicológico, sempre que você ataca uma pessoa qualquer, seja na sua mente ou de fato, você se sentirá culpado. Não há forma alguma de ferir qualquer um, seja em pensamento ou em atos, que não acarrete sentimentos de culpa. Você pode não experimentar a culpa—por exemplo, psicopatas não experimentam a própria culpa—mas isso não significa que em um nível mais profundo não se sintam culpados.

Nesse ponto, o que o ego faz, e de modo muito astuto, é estabelecer um ciclo de culpa e ataque através do qual quanto mais culpados nos sentimos, maior será a nossa necessidade de negar a culpa em nós mesmos atacando uma outra pessoa por isso. Contudo, quanto mais atacamos um outro, maior será a nossa culpa pelo que fizemos, pois em algum nível reconhecemos que atacamos aquela pessoa falsamente. Isso só nos fará sentir culpa e manterá a coisa toda indefinidamente. É esse ciclo de culpa e ataque que faz o mundo girar, não é o amor. Se alguém lhe diz que o amor faz o mundo girar, esse alguém não sabe grande coisa sobre o ego. O amor é do mundo de Deus e é possível refletir esse amor neste mundo. Todavia, neste mundo o amor não tem lugar. O que tem lugar é culpa e ataque, e é essa a dinâmica que está tão presente em nossas vidas, seja no nível individual, ou seja a nível coletivo.

O ciclo de ataque-defesa

Um ciclo secundário que se estabelece é o de ataque-defesa. Uma vez que eu acredito que sou culpado e projeto a minha culpa em você através do ataque, eu tenho que acreditar (pelo princípio mencionado anteriormente) que a minha culpa exigirá punição. Como eu ataquei você, não posso deixar de acreditar que mereço ser atacado de volta. Agora, se você de fato me ataca ou não, pouco importa realmente; vou acreditar que você vai fazê-lo, devido a minha própria culpa. Acreditando que você vai me atacar de volta, eu então acredito que preciso defender-me contra o seu ataque. E como estou tentando negar o fato de ser culpado, sentirei que o seu ataque contra mim não tem justificativa. No momento em que eu o ataco, o meu medo inconsciente é que você me ataque de volta e é melhor que eu esteja preparado para isso. Assim tenho que construir uma defesa contra o seu ataque. Isso fará com que você fique com medo, e assim nós nos tornamos parceiros nisso; quanto mais eu o ataco, mais você tem que se defender de mim retornando o meu ataque, e mais eu terei que me defender contra você e atacá-lo de volta. E nós seguimos assim para frente e para trás (L pI. -).

Essa dinâmica, obviamente, é o que explica a insanidade da corrida de armas nucleares. Também explica a insanidade que todos nós sentirmos. Quanto maior a minha necessidade de defender-me, mais eu estou reforçando o fato de ser culpado. É também muito importante que se compreenda isso nos termos do ego, e está dito provavelmente na sua forma mais clara em uma frase do texto que diz: “Defesas fazem exatamente aquilo do qual pretendem te defender” (T-IV.:l). O propósito de todas as defesas é proteger-nos ou defender-nos do nosso medo. Se eu não tivesse medo, não teria que ter uma defesa, mas o próprio fato de precisar de uma defesa me diz que devo estar amedrontado, pois se não estivesse não teria que me dar ao trabalho de me defender. O próprio fato de eu estar me defendendo reforça o fato de que devo estar amedrontado e, devo estar amedrontado, porque sou culpado. Assim as minhas defesas estão reforçando exatamente a coisa da qual me deveriam proteger—o meu medo. Portanto, quanto mais eu me defendo, mais ensino a mim mesmo que sou um ego: pecador, culpado, e amedrontado.

O ego não é realmente tolo. Ele nos convence de que temos que nos defender, mas quanto mais o fazemos, mais culpados nos sentimos. Ele nos diz de muitas formas diferentes como temos que nos defender da nossa culpa. Mas a própria proteção que ele nos oferece reforçará essa culpa. E por isso que vivemos dando voltas e mais voltas no mesmo lugar. Há uma lição maravilhosa que diz: “A minha segurança está em ser sem defesas”. (L-pI.). Se eu vou saber verdadeiramente que estou a salvo e que a minha proteção verdadeira é Deus, a melhor maneira de fazer isso é não me defender. E por isso que lemos nos evangelhos sobre os últimos dias de Jesus e vemos que ele não se defendeu absolutamente. A partir do momento que foi preso, durante todo o tempo em que estava sendo escarnecido, açoitado, perseguido e até assassinado, ele não se defendeu. E o que ele estava dizendo era: "Eu não preciso de defesas”, pois como ele diz no livro de exercícios, “O Filho de Deus não precisa de defesas contra a verdade da sua realidade” (L-pI.:). Quando sabemos verdadeiramente Quem somos e Quem é o nosso Pai, nosso Pai no Céu, não temos que nos proteger, pois a verdade não precisa ser defendida. Contudo, dentro do sistema do ego, sentiremos que precisamos de proteção e assim sempre nos defenderemos. Portanto, esses dois ciclos realmente agem para manter todo o sistema do ego em funcionamento. Quanto mais nos sentimos culpados, mais atacaremos. Quanto mais atacamos, mais sentimos a necessidade de defender-nos da punição esperada ou do contra-ataque, que é, em si mesmo, um ataque.

O segundo capítulo do Gênesis termina com Adão e Eva de pé, nus, um diante do outro, sem vergonha alguma. A vergonha é apenas um outro nome para a culpa, e a ausência de vergonha é uma expressão da condição que existia antes da separação. Em outras palavras, não havia culpa porque não havia nenhum pecado. E no terceiro capítulo que se fala do pecado original, e esse começa com Adão e Eva comendo do fruto proibido. Esse ato constitui a sua desobediência para com Deus, e esse é realmente o pecado. Em outras palavras, eles vêem a si mesmos como se tivessem uma vontade separada de Deus e esta pudesse escolher alguma coisa diferente do que Deus tinha criado. E isso, mais uma vez, é o nascimento do ego: acreditar que o pecado é possível. Assim, eles comem esse fruto e a primeira coisa que fazem depois disso é olhar um para o outro—e dessa vez eles sentem vergonha e se cobrem. Colocam folhas de figueira sobre os seus órgãos sexuais e isso então passa a ser uma expressão da sua culpa. Compreendem que fizeram uma coisa pecaminosa, e a nudez de seus corpos vem a ser o símbolo de seu pecado.

Conseqüentemente, eles tem que se defender disso, que passa a expressar a sua culpa.

A próxima coisa que acontece é Adão e Eva ouvirem a voz de Deus, que os está procurando e agora eles ficam com medo do que Deus vai fazer quando os pegar. Assim se escondem nas moitas para que Deus não os veja. Aí está clara a conexão entre a crença no pecado—que é possível separar-se de Deus—e o sentimento de culpa por ter feito isso, seguido do medo do que vai acontecer quando Deus nos pegar e nos punir. De fato, à medida que o terceiro capítulo continua, Adão e Eva estavam absolutamente certos porque Deus realmente os castiga. A coisa interessante é que quando Deus afinal confronta Adão, ele projeta a culpa em Eva e diz: “Não fui eu que fiz isso, foi Eva que me fez fazer isso. (É sempre a mulher que leva a culpa). Então Deus olha para Eva, que faz exatamente a mesma coisa e diz: “Não fui eu que fiz isso. Não me culpe, foi a serpente”. Assim vemos com clareza o que fazermos para nos defender do nosso medo e da nossa culpa: projetamos a culpa em um outro.

Lembrem-se do que eu disse anteriormente: a culpa sempre exigirá punição. O ego exige que Adão e Eva sejam punidos por seu pecado, assim quando Deus os encontra, Ele os castiga com uma vida cheia de dor e sofrimento, a partir do nascimento até o fim, que é a morte. No fim do dia, vou dizer-lhes como Jesus desfaz todo esse processo. De qualquer modo, esse capítulo do Gênesis é o sumário perfeito de toda a estrutura do ego: o relacionamento entre pecado, culpa, e medo.

Uma das formas mais importantes do ego se defender da culpa é atacando outras pessoas, e é isso o que a nossa raiva sempre parece fazer: justificar a projeção da nossa culpa sobre os outros. É extremamente importante reconhecermos como é forte o investimento do mundo, e de cada um de nós como parte do mundo, em justificar o fato de estarmos com raiva, porque todos nós precisamos ter um inimigo. Não há ninguém neste mundo que, em um nível ou outro, não revista o mundo de qualidade boas e más. E nós separamos partes do mundo e colocamos algumas pessoas na categoria do que é bom e outras na categoria do que é mau. O propósito disso é a nossa tremenda necessidade de termos alguém para projetarmos a nossa culpa. Precisamos de, pelo menos, uma pessoa ou uma idéia ou um grupo, que possamos transformar no bandido, no bode expiatório. Essa é a fonte de todo preconceito e discriminação. É a tremenda necessidade que temos, que usualmente é inconsciente, de encontrar alguém que possamos transformar no bode expiatório para podermos escapar da carga da nossa própria culpa. Foi isso o que aconteceu desde o início da história. Tem sido esse o caso em cada sistema de pensamento, ou forma de vida importante que jamais existiu no mundo. Tudo sempre se predicou com base no fato de existirem os mocinhos e os bandidos.

Vocês certamente podem ver isso na história do próprio cristianismo. Desde o início, houve o processo de separar os bons dos maus. Os judeus que acreditavam em Jesus contra os judeus que não acreditavam em Jesus, e depois aqueles que acreditavam em Jesus se separaram entre os seguidores de são Pedro, são Paulo, são Tiago etc., e a Igreja se tem subdividido desde então. Isso acontece devido a essa mesma necessidade inconsciente de encontrarmos alguém que possamos ver como diferente e não tão bom quanto nós mesmos. Mais uma vez, é extremamente útil para nós reconhecermos como é forte o investimento que temos nesse processo. É por isso que no cinema todos ficam contentes no final quando o mocinho ganha e o bandido perde. Nós temos o mesmo investimento em ver o bandido ser punido, pois naquele momento acreditamos ter escapado dos nossos pecados.

Relacionamentos Especiais

O que eu tenho descrito até agora sobre a raiva é realmente uma forma que a projeção pode tomar. É a mais óbvia forma de ataque às quais o Curso se refere como relacionamentos especiais. O conceito mais difícil de ser compreendido no Curso e ainda mais difícil de ser colocado em prática e, de fato vivido é a idéia do "especialismo" (que significa a idéia, condição ou estado de ser especial ou de ver outros como especiais) e a transformação dos nossos relacionamentos especiais em relacionamentos santos.

Relacionamentos especiais vêm em duas formas. A primeira é o relacionamento especial de ódio - do qual nós temos falado - onde encontramos alguém e fazemos dele o objeto do nosso ódio de modo a que possamos escapar do verdadeiro objeto do nosso ódio, que somos nós mesmos. A segunda forma é o que o Curso chama de relacionamentos especiais de amor. Esses são os mais poderosos e os mais insidiosos porque são os mais sutis. E, ainda uma vez, não há nenhum conceito mais difícil no Curso para compreendermos e aplicarmos a nós mesmos do que esse. Relacionamentos especiais não são mencionados no livro de exercícios ou no manual de forma alguma e não aparecem no texto até o capítulo e, a partir daí, por quase nove capítulos, isso é quase tudo o que se lê.

A razão pela qual o amor especial é tão difícil de ser reconhecido e é tão difícil de combater é que ele aparenta ser algo que não é. É difícil esconder de você mesmo o fato de estar com raiva de outra pessoa. Você só pode conseguir isso por pouco tempo. O amor especial é algo totalmente diferente. Ele sempre parecerá ser o que não é. De fato é o mais tentador e o mais enganador fenômeno deste mundo. Basicamente segue os mesmos princípios que o ódio especial, mas faz isso de forma diferente. O princípio básico é que tentamos nos livrar da nossa culpa vendo-a em uma outra pessoa. Portanto, é apenas um fino véu disfarçado que encobre o ódio. O ódio, mais uma vez, é apenas uma tentativa de odiar outra pessoa de modo a não termos que odiar a nós mesmos. O que eu gostaria de fazer agora é mostrar a vocês basicamente como isso funciona de três formas diferentes - como, com a finalidade de nos salvar da culpa através do ‘amor’, o ego está realmente reforçando a sua culpa através do ódio.

Vamos em primeiro lugar descrever o que é o amor especial e depois falaremos sobre como ele funciona. Se vocês se lembram, bem no início quando eu estava falando sobre culpa e listando palavras que designam culpa, uma das expressões que usei foi acreditarmos que haja alguma coisa faltando em nós, que exista uma certa carência. O Curso se refere a isso como o “princípio da escassez” e, com efeito, essa é a base de toda a dinâmica do amor especial.

O que o princípio de escassez nos diz é que há de fato algo faltando dentro de nós. Há algo que não foi preenchido, não há plenitude. Devido a essa carência, nós temos certas necessidades. E essa é uma parte importante de toda a experiência da culpa. Assim, mais uma vez, nós nos voltamos para o ego e dizemos: “Ajude-me! Essa sensação de não ser nada, ou esse vazio, ou esse sentimento de que há algo faltando é absolutamente intolerável; você tem que fazer alguma coisa”. O ego diz: “Está bem, aqui está o que você vai fazer”. E, em primeiro lugar, ele nos dá um tapa na cara por dizer: “Você está totalmente certo; você é apenas uma criatura miserável e não há nada que possa ser feito para mudar o fato de que está lhe faltando algo que é de importância vital para você”. É claro que o ego não nos diz que o que está faltando é Deus, porque se nos dissesse isso, escolheríamos Deus e ele deixaria de existir. O ego nos diz que algo inerentemente nos falta e não há nada que se possa fazer para remediar isso. Mas, depois nos diz que há algo que podemos fazer sobre a dor dessa falta. Embora continue sendo verdadeiro que nada vai mudar essa falta inerente em nosso ser, podemos olhar para fora de nós mesmos buscando alguém ou alguma coisa que possa compensar o que está faltando dentro de nós.

Basicamente, o amor especial declara que eu tenho certas necessidades que Deus não pode satisfazer porque, repetindo, inconscientemente eu fiz de Deus um inimigo e, portanto, não posso buscar auxílio no Deus verdadeiro dentro do sistema egótico. Mas quando encontro você, uma pessoa especial com certas qualidades ou atributos especiais, eu decido que você vai satisfazer as minhas necessidades especiais. Daí vem a expressão “relacionamentos especiais”. As minhas necessidades especiais serão supridas por certas qualidades especiais em você, e isso faz de você uma pessoa especial. E quando você suprir as minhas necessidades especiais da forma que eu as estabeleci, então eu amarei você. Assim, quando você tiver certas necessidades especiais que eu possa satisfazer para você, você me amará. Do ponto de vista do ego, isso é um casamento feito no Céu.

Portanto, o que este mundo chama de amor é realmente especialismo, uma distorção grosseira do amor tal qual o Espírito Santo o veria. Uma outra palavra que descreve esse mesmo tipo de dinâmica é ‘dependência’. Eu passo a depender de você para satisfazer as minhas necessidades e farei com que você dependa de mim para satisfazer as suas. Enquanto nós dois fizermos isso, tudo estará ótimo. O especialismo é basicamente isso. A sua intenção é compensar a falta que percebemos em nós mesmos usando uma outra pessoa para preencher esse vazio. Fazemos isso da forma mais clara e mais destrutiva com as pessoas. Contudo, podemos também fazer com substâncias, ou com coisas. Uma pessoa, por exemplo, que é alcoólatra está tentando preencher o vazio em si mesma através de um relacionamento especial com a garrafa. Pessoas que comem demais estão fazendo a mesma coisa. Pessoas que tem mania de comprar roupas demais, ganhar um monte de dinheiro, adquirir um monte de coisas, ou ter status no mundo - é tudo a mesma coisa. Na realidade, uma tentativa de compensação por nos sentirmos mal em nós mesmos através de algo externo que fará com que nos sintamos melhor. Há um subtítulo perto do fim do texto que diz “Não busques fora de ti mesmo” (T-VII). Quando buscamos fora de nós mesmos, estamos sempre buscando um ídolo, que se define como um substituto para Deus. Realmente, se Deus pode satisfazer essa necessidade. Nesse caso, o especialismo faz o seguinte: ele serve ao propósito do ego parecendo proteger-nos da nossa culpa, mas durante todo o tempo ele a reforça. Faz isso de três formas básicas que vou explicar sumariamente agora.

A primeira é a seguinte: se eu tenho essa necessidade especial e você vem e a satisfaz para mim, o que eu fiz realmente foi fazer de você um símbolo da minha culpa. (Estou falando nesse momento só a partir do ponto de vista do ego; não nos vamos ocupar do Espírito Santo agora). O que fiz foi associar você com a minha culpa, porque o único propósito que eu dei ao meu relacionamento e ao meu amor por você é que ele sirva para satisfazer as minhas necessidades. Portanto, enquanto num nível consciente eu fiz de você um símbolo de amor, num nível inconsciente o que eu fiz realmente foi transformar você num símbolo da minha culpa. Se eu não tivesse essa culpa, eu não teria essa necessidade de você. O próprio fato de eu ter essa necessidade de você me lembra, inconscientemente, que eu sou na realidade culpado. Assim, essa é a primeira forma na qual o amor especial reforça exatamente a culpa da qual o seu amor está tentando defendê-lo. Quanto mais importante você passa a ser na minha vida, mais você me lembrará de que o propósito real ao qual você está servindo é me proteger da minha culpa, o que reforça o fato de que eu sou culpado.

Uma imagem desse processo que pode ajudar é imaginar a nossa mente como um pote de vidro no qual esteja toda a nossa culpa. O que queremos mais do que tudo neste mundo é manter essa culpa dentro do pote; nós não queremos saber dela. Quando buscamos um parceiro especial, estamos buscando alguém que seja a tampa desse pote. Nós queremos que essa tampa feche o pote hermeticamente. Enquanto ele estiver bem fechado, a minha culpa não pode emergir para a consciência e, portanto, eu não saberei dela, ela fica dentro do meu inconsciente. O próprio fato de eu precisar de você para ser a tampa do meu pote me lembra que há uma coisa terrível no pote que eu não quero deixar escapar. Mais uma vez, o próprio fato de eu precisar de você está me lembrando, inconscientemente, que eu tenho toda essa culpa.

A segunda forma através da qual o amor especial reforça a culpa é a “síndrome da mãe judia”. O que acontece quando essa pessoa que veio para satisfazer todas as minhas necessidades começa a mudar e não satisfaz mais essas necessidades da mesma maneira? Seres humanos infelizmente tem essas qualidades: mudar e crescer; eles não são sempre os mesmos, assim como gostaríamos que fossem. O que isso significa, então, quando a pessoa começa a mudar (talvez não precisando mais de mim como precisava no início) é que a tampa do pote começa a soltar-se. As minhas necessidades especiais não mais serão satisfeitas da forma que eu queria. À medida que essa tampa começa a se abrir, a minha culpa de repente me ameaça vindo para a superfície e escapando. A culpa escapando do pote significa que eu passo a estar consciente de que realmente acredito que sou terrível. E farei qualquer coisa nesse mundo para evitar essa experiência.

Num certo ponto no Êxodo, Deus diz a Moisés: “Ninguém pode contemplar a minha face e viver”. Nós podemos declarar a mesma coisa sobre a culpa: ninguém pode olhar a face da culpa e viver. A experiência de confrontar o que realmente acreditamos sobre nós mesmos, como somos terríveis, é tão avassaladora que fazemos qualquer coisa no mundo contanto que não tenhamos que lidar com ela. Assim, quando essa tampa começa a afrouxar e a minha culpa começa a borbulhar subindo para a superfície, eu entro em pânico porque de repente sou confrontado por todos esses sentimentos devastadores que tenho sobre mim mesmo. A minha meta é então muito simples: conseguir fechar hermeticamente de novo essa tampa tão rápido quanto possível. Isso significa que eu quero que você volte a ser o que era antes. Não existe nenhuma forma mais poderosa para conseguir que alguém faça o que você quer do que fazer com que essa pessoa se sinta culpada. Se você quer que qualquer coisa seja feita por uma outra pessoa, você fará com que ela se sinta bem culpada e ela fará o que você quer. Ninguém gosta de se sentir culpado.

A manipulação através da culpa é a marca registrada da mãe judia. Os que não são judeus também conhecem isso. Você poderia ser italiano, irlandês, polonês. Tanto faz, porque a síndrome é universal. O que eu vou fazer é tentar tornar você culpado e direi qualquer coisa assim: “O que aconteceu com você? Você costumava ser uma pessoa tão decente, boa, amorosa, preocupada com os outros, sensível, gentil, compreensiva. Agora, olhe para você! Como você mudou! Agora você não dá a mínima. Você é egoísta, só pensa em si mesmo, insensível”, e assim por diante. O que eu estou realmente tentando fazer é tornar você tão culpado que você acabe voltando a ser como era antes. Todo mundo sabe disso, certo?

Agora, se você está jogando o mesmo jogo de culpa que eu, você fará o que eu quero, a tampa volta a se fechar, e eu amarei você como amava antes. Se você não faz, e não joga mais esse jogo, eu vou ficar com muita raiva de você e o meu amor vai rapidamente virar ódio (que é o que era o tempo todo). Você sempre odeia a pessoa da qual depende pelas razões que eu dei no primeiro exemplo, porque a pessoa da qual você depende está sempre lembrando a você a sua culpa, que você odeia. E, portanto, por associação, você também odeia a pessoa que pretende amar. Esse segundo exemplo mostra que isso é o que realmente é. Quando você não mais satisfizer as minhas necessidades assim como eu quero que sejam satisfeitas, começarei a odiar você. E eu te odiarei porque não consigo lidar com a minha culpa. É o que se chama o fim da lua-de-mel. Nos dias de hoje, isso parece acontecer cada vez mais depressa.

Quando as necessidades especiais não são mais satisfeitas da forma que costumavam ser, o amor vira ódio. O que acontece quando a outra pessoa diz que não vai mais ser a tampa do seu pote é bastante óbvio. Nesse caso, eu acho outra pessoa. Assim como uma das lições no livro de exercícios declara: “Pode-se achar outra” (L-pI..:), e com bastante facilidade. Assim, você apenas passa a mesma dinâmica de uma pessoa para outra. Você pode fazer isso muitas vezes, repetindo sempre, até que faça alguma coisa com o seu problema real, que é a sua própria culpa.

Quando você realmente deixar que essa culpa se vá, estará pronto para entrar em um relacionamento diferente. Isso será amor tal como o Espírito Santo o vê. Mas até que faça isso, e a sua única meta é manter a sua própria culpa escondida, você apenas procura uma outra tampa para o pote. E o mundo sempre coopera muito bem para acharmos pessoas que satisfaçam essa necessidade para nós. E entramos em toda uma série de relacionamentos especiais um depois do outro, um processo que o Curso descreve com detalhes bastante dolorosos.

A terceira forma na qual o especialismo é um disfarce para o ódio, e para a culpa ao invés do amor, se mantém tanto para os relacionamentos especiais de ódio quanto para os de amor. Sempre que usamos as pessoas como um veículo para satisfazer as nossas necessidades, não estamos realmente vendo quem elas são; não estamos vendo o Cristo nelas. Ao invés disso, só estamos interessados em manipulá-las de forma a que venham a satisfazer as nossas próprias necessidades. Não estamos realmente vendo-as como a luz que brilha nelas; estamos vendo-as na forma particular de escuridão que corresponderá a nossa forma particular de escuridão. E sempre que usamos ou manipulamos qualquer um para preencher as nossas necessidades, estamos realmente atacando-o porque estamos atacando a sua verdadeira identidade como Filho de Deus ou Cristo, vendo-o como um ego, o que reforça o ego em nós mesmos. O ataque é sempre ódio, assim não podemos deixar de sentir culpa por ter agido assim.

Essas três formas nos mostram exatamente como o ego vai reforçar a culpa, mesmo se nos diz que está fazendo outra coisa. É por isso que o Curso descreve o relacionamento especial como o lar da culpa.

Mais uma vez, o que faz o amor especial ser tão devastador e uma defesa tão eficaz do ponto de vista do ego é que ele parece ser o que não é. Quando o amor especial acontece pela primeira vez parece ser uma coisa tão maravilhosa, santa, e amorosa. Todavia, como pode mudar rapidamente, se não formos capazes de ir além do que parece existir para confrontarmos com o problema básico que é a nossa culpa.

Ha um subtítulo importante no texto que se chama “Os dois retratos” (T-IV). Descreve a diferença entre o retrato do ego e o retrato do Espírito Santo. O retrato do ego é o amor especial e retrata a culpa, o sofrimento e, em última instância, a morte. Esse não é o retrato que o ego quer que vejamos, porque, repetindo, se realmente soubéssemos o que ele pretende, não prestaríamos nenhuma atenção a ele. Assim o ego coloca o seu retrato numa moldura muito bonita e cheia de enfeites que cintila com diamantes e rubis e todos os tipos de gemas sofisticadas. Nós somos seduzidos pela moldura, ou pelos bons sentimentos aparentes que o especialismo vai nos dar e não reconhecemos a dádiva real da culpa e da morte. Só quando nos aproximamos da moldura e realmente olhamos para ela podemos ver que os diamantes são realmente lágrimas e os rubis gotas de sangue. O ego, de fato, é apenas isso. Essa é uma parte muito poderosa do texto. Por outro lado, o retrato do Espírito Santo é muito diferente. A moldura do Espírito Santo tem muita folga e ela dá espaço para que possamos ver a dádiva real que é o Amor de Deus.

Há uma outra qualidade que é muito importante e sempre uma indicação indubitável para percebermos se estamos envolvidos em um relacionamento especial ou em um relacionamento santo. Sempre podemos notar isso pela nossa atitude para com as outras pessoas. Se estamos envolvidos em um relacionamento especial, esse relacionamento será exclusivo. Não haverá espaço nele para ninguém mais. A razão para isso é óbvia, uma vez que tenhamos reconhecido como o ego está realmente funcionando. Se eu fiz de você o meu salvador, e se você está me salvando da minha culpa, então isso significa que o seu amor por mim e a atenção que você me dá vão me salvar dessa culpa que eu estou tentando manter escondida. Mas se você começa a se interessar por qualquer coisa que não seja eu - seja uma outra pessoa ou outra atividade - você não está me dando cem por cento da sua atenção. Qualquer que seja a medida do deslocamento do seu interesse ou da sua atenção para outra coisa ou outra pessoa, nessa medida haverá menos para mim. Isso significa que, se eu não recebo cem por cento, essa tampa do meu pote vai começar a soltar-se. E essa é a fonte de todo ciúme. As pessoas ficam com ciúme por sentirem que as suas necessidades especiais não serão satisfeitas da forma como deveriam.

Portanto, se você ama alguma outra pessoa além de mim, isso significa que eu vou receber menos amor. Para o ego, o amor é quantitativo. Há apenas uma certa quantidade disponível. Logo, se eu amo essa pessoa não posso amar aquela com a mesma intensidade. Para o Espírito Santo, o amor é qualitativo e abraça todas as pessoas. Isso não significa que amamos todas as pessoas da mesma forma, isso não é possível neste mundo. Mas, de fato, significa que a fonte do amor é a mesma; o amor em si é o mesmo, contudo os meios de expressão serão diferentes.

Eu vou ‘amar’ os meus pais ‘mais’ do que amo os pais de qualquer pessoa nessa sala, não em qualidade, mas em quantidade. O amor será basicamente o mesmo, todavia, como é óbvio será expresso de um modo diferente. Isso não significa que, porque eu amo meus pais vou amar os seus menos, ou que meus pais sejam melhores do que os seus. Tudo o que isso quer dizer é que essas são as pessoas que eu escolhi, pois no meu relacionamento com elas aprenderei o perdão que vai permitir que eu me lembre do Amor de Deus. Isso não significa que você deva sentir-se culpado por ter um relacionamento mais profundo com certas pessoas do que com outras. Há exemplos muito claros disso nos evangelhos, onde Jesus era mais íntimo de certos discípulos do que de outros, e era mais íntimo de seus discípulos do que dos seus outros seguidores. Não quer dizer que ele amasse menos a nenhuma daquelas pessoas, mas que a expressão do amor era mais íntima e profunda com uns do que com outros.

Um relacionamento santo significa que, por amar uma pessoa, você não está excluindo uma outra; isso não acontece às custas de ninguém. O amor neste mundo não é assim. O amor especial será sempre as custas de alguém. É sempre um amor de comparações, onde certas pessoas são comparadas com outras; algumas não são boas o suficiente e algumas são aceitáveis.

Do ponto de vista do relacionamento santo, você apenas reconhece que certas pessoas oram ‘dadas’ a você e foram escolhidas por você de modo que você possa aprender e ensinar certas lições, mas isso não faz com que aquela pessoa seja melhor ou pior do que ninguém mais. Repetindo, é assim que você pode sempre distinguir um relacionamento especial de um relacionamento santo: pela medida na qual ele exclui as outras pessoas.

Capítulo / MENTALIDADE CERTA:
O SISTEMA DE PENSAMENTO DO ESPÍRITO SANTO


Há uma passagem bonita em Um Curso em Milagres onde Jesus nos diz que ele tem salvo todos os nossos pensamentos de amor e os têm purificado de todos os seus erros (T-IV.: -). Tudo o que ele precisa da nossa parte para fazer com que isso seja a nossa realidade é aceitarmos o fato de que assim seja. Mas não podemos fazer isso se estamos ainda agarrados à nossa culpa. O Espírito Santo nos dá um modo perfeito de deixarmos para trás toda essa culpa e é sobre isso que vou falar agora.

O Espírito Santo é muito esperto. Sabemos como o ego pensa ser esperto, mesmo assim o Espírito Santo ainda consegue ser melhor. Ele usa a própria dinâmica da projeção que o ego usou para nos crucificar e nos manter na prisão da culpa e acaba invertendo o jogo. Se vocês pensarem na projeção como um projetor de cinema, imaginem que eu vou ser o projetor e tenho o meu próprio filme feito de culpa, que estou sempre rodando. O que isso significa é que eu povôo todo o meu mundo com a minha própria culpa. Eu projeto a culpa do meu filme para as telas dessas pessoas e assim vejo o meu próprio pecado e culpa em todos os outros.

Mais uma vez, faço isso porque estou seguindo a lógica do ego segundo a qual essa é a maneira de me livrar da culpa. Mas, não posso de jeito nenhum lidar com a minha própria culpa sozinho. Não há nenhum modo de olhar a culpa cara a cara e continuar vivendo; é um pensamento por demais devastador. Todavia, o próprio esquema usado pelo ego para reforçar a minha culpa com a pretensão de me livrar dela—esse mesmo mecanismo que faz com que eu coloque a minha culpa fora de mim—também me dá a chance de me libertar. Vendo em você a culpa que eu não posso confrontar em mim mesmo me dá a oportunidade de deixar que ela se vá. O perdão é isso, pura e simplesmente. Perdoar é desfazer a projeção da culpa.

Repetindo, o fato de eu projetar nessa tela que é você essa culpa que não posso encarar e liberar em mim mesmo, me dá a oportunidade de olhar para ela e dizer que agora posso vê-la de um modo diferente. Os pecados e a culpa que eu deixo de ver em você, e perdôo, são realmente os mesmos pecados e a mesma culpa pelos quais eu me acho responsável. Isso, por sinal, tem a ver com o conteúdo do pecado, não a forma, que pode ser bem diferente. Perdoando isso em você, eu estou de fato perdoando isso em mim mesmo. Essa é a idéia central em todo o Curso. Todas essas palavras tratam realmente disso. Nós projetamos a nossa culpa em outras pessoas e, assim, quando escolhemos olhar para aquela pessoa como o Espírito Santo quer que olhemos — através da visão de Cristo — somos então capazes de reverter o nosso modo de pensar sobre nós mesmos.

O que fiz foi projetar a minha própria escuridão sobre você de modo que a luz de Cristo em você seja obscurecida. Tomando a decisão de dizer que você não está na escuridão—mas realmente está na luz, que é a decisão de deixar que essa escuridão que eu coloquei em você desapareça—eu estou realmente declarando exatamente a mesma coisa sobre mim mesmo. Estou dizendo, não apenas que a luz de Cristo brilha em você, mas brilha também em mim. E é, de fato, a mesma luz. O perdão é isso. Assim sendo, isso significa que devemos ser gratos por cada pessoa nas nossas vidas, especialmente aquelas com as que nós temos mais problemas. Aqueles que mais odiamos, que achamos mais desagradáveis, com os que nós nos sentimos mais desconfortáveis são exatamente aqueles que o Espírito Santo nos ‘enviou’ e pode usar para nos mostrar que podemos fazer uma outra escolha em relação àquele em quem antes estávamos tentados a projetar a nossa culpa. Se eles não estivessem no filme e na tela das nossas vidas, não saberíamos que essa culpa está realmente em nós. Portanto, não teríamos a oportunidade de nos libertarmos dela. A única chance que jamais

teremos de perdoar a nossa culpa e ficarmos livres é vê-la em uma outra pessoa e lá a perdoarmos. Perdoando-a no outro, estamos perdoando-a em nós mesmos. Mais uma vez, nessas poucas linhas está a soma e a importância de Um Curso em Milagres.

O perdão, portanto, pode ser brevemente resumido em três passos básicos. O primeiro passo é reconhecer que o problema não está lá fora, mas na minha tela. O problema está dentro de mim, no meu filme. O primeiro passo diz que a minha raiva não se justifica, mesmo que a raiva sempre me diga que o problema está fora de mim, em você, de modo que você tem de mudar para que eu não precise mudar. Assim, o primeiro passo diz que o problema não está do lado de fora, ao contrário, está dentro de mim. Esse passo é muito importante, pois Deus colocou a Resposta para o problema da separação dentro de nós. O Espírito Santo não está fora de nós, está dentro, em nossas mentes. Ao determinarmos que o problema está fora de nós, o que a projeção sempre faz, estamos mantendo o problema separado da resposta. É exatamente isso que o ego quer, porque se o problema do ego é respondido pelo Espírito Santo, nesse caso, o ego não mais existe.

Portanto, o ego é muito dúbio e sutil em nos fazer acreditar que o problema está fora de nós, seja ele em professores, amigos, marido ou mulher, filhos, o presidente—ou na bolsa de valores, no tempo, até no próprio Deus. Somos todos muito bons nessa habilidade de ver o problema onde ele não está, de modo que a solução possa ser mantida separada do problema. As lições do livro de exercícios que tornam isso muito claro são as de número e: “Que eu reconheça o problema para que ele possa ser resolvido” e “Que eu reconheça que os meus problemas foram resolvidos”. Há apenas um problema e esse é acreditarmos na própria separação, ou o problema da culpa, e esse é sempre interno, não externo. Contudo, o primeiro passo para o perdão, é, mais uma vez, dizermos que o problema não está em você; o problema está em mim. A culpa não está no próximo, mas em nós mesmos. O problema não está na tela na qual eu o projetei; ao contrário, está no filme dentro de mim, que é um filme feito de culpa.

Agora, o segundo passo, que é o mais difícil, o passo que todos nós fazemos qualquer coisa para evitar, é lidar com o conteúdo desse filme, que é a nossa própria culpa. E por isso, mais uma vez, que todos nós temos um investimento tão grande em justificar e manter essa raiva e esse ataque assim como em ver o mundo dividido entre o que é bom e o que é mau. Enquanto fizermos isso, não temos que lidar com esse segundo passo, que é olhar para a nossa culpa e para todos os nossos sentimentos de ódio em relação a nós mesmos.

No primeiro passo, eu digo que a minha raiva é uma decisão que eu tomei para projetar a minha culpa. Agora, no segundo passo, digo que essa mesma culpa também representa uma decisão. Representa a decisão de ver a mim mesmo como culpado ao invés de sem culpa. Tenho que reconhecer, ao contrário, que sou um Filho de Deus ao invés de um filho do ego, que a minha verdadeira casa não é neste mundo, mas em Deus. Não podemos fazer isso até olharmos primeiro para a nossa culpa e dizermos que não é isso o que realmente somos. Não podemos dizer isso até olharmos primeiro para uma outra pessoa e dizermos: “Você não é o que eu fiz de você; você é realmente o que Deus criou”.

Há algumas passagens muito poderosas no Curso que lidam com esse passo e o quanto ele é aterrorizador. Uma concepção equivocada que as pessoas freqüentemente tem, sobretudo nas primeiras vezes que lêem Um Curso em Milagres, é pensar que tudo é bonito e fácil. O Curso pode enganar se vocês não tomarem cuidado. Em um nível, ele nos diz que tudo é simples; como nós estamos todos realmente “em casa em Deus, sonhando com o exílio” (T-.I.:); como tudo isso vai ser feito em um instante se apenas mudarmos a nossa mente, etc. O que acontece é que vemos essas passagens e esquecemos todas as outras que falam do terror que esse processo acarretará: o desconforto, a resistência e o conflito que virão ao começarmos a dar esses passos para lidar com a nossa culpa. Ninguém pode se libertar do ego sem lidar com a própria culpa e o medo porque isso é o ego. Jesus disse nos evangelhos: “E qualquer um que não tomar a sua cruz, e vier apos mim, não pode ser meu discípulo”. É sobre isso que ele está falando. Carregar a própria cruz é lidar com a própria culpa e com o próprio medo, transcendendo o ego. Não há forma alguma de alguém conseguir passar por esse processo sem dificuldade e dor. Agora, essa não é a Vontade de Deus para nós; essa é a nossa vontade. Fomos nós que fizemos a culpa, assim, antes de podermos nos libertar dela, primeiro precisamos olhar para ela e isso pode ser muito doloroso. Há dois lugares em particular que descrevem esse processo e a quantidade de terror que está envolvida nisso: Lições e (L-pI.; L-pI. -). “Os dois mundos” no texto (T-IX.) também nos falam do aparente terror através do qual temos que passar, e do terror de lidar com esse medo de Deus, o obstáculo final para a paz, que é onde a nossa culpa está mais profundamente enterrada.

Assim, o segundo passo é realmente a disponibilidade de olharmos para a nossa culpa e dizermos que a inventamos, e que a culpa não representa a dádiva de Deus para nós, mas a decisão que tomamos de ver a nós mesmos como Deus não nos criou. Isso é, ver a nós mesmos como uma criança da culpa ao invés de uma criança do amor. Um Curso em Milagres é muito claro quando enfatiza que nós não podemos desfazer a culpa, pois fomos nós que a fizemos. Precisamos da ajuda que vem de fora do ego para fazermos isso. Essa ajuda é o Espírito Santo. E a única escolha que temos é convidar o Espírito Santo para corrigir o sistema de pensamento do ego e levar a culpa para longe de nós. Esse é o terceiro passo. O segundo passo, de fato, diz para o Espírito Santo: “Eu não quero mais me ver culpado; por favor, leve essa culpa para longe de mim”. O terceiro passo pertence ao Espírito Santo e Ele nos libera da culpa porque, com efeito, já o fez. A nossa aceitação disso é o único problema.

Recapitulando os três passos: O primeiro passo desfaz a raiva projetada dizendo que o problema não está fora de mim; o problema está dentro de mim. O segundo passo diz que o problema que está dentro de mim é um problema que eu inventei e é algo que eu agora não quero mais. O terceiro passo, portanto, ocorre quando o entrego ao Espírito Santo e Ele se encarrega disso.

Esses passos soam como algo fácil e simples, mas se vocês tiverem sorte, conseguirão completar isso em uma vida inteira. Não devem acreditar que isso possa ser feito de um dia para o outro. Algumas pessoas tem essa esperança mágica de que conseguindo terminar o livro de exercícios em um ano, estarão no Reino. Bem isso ainda passa, mas só até você chegar ao fim do livro de exercícios e ler: “Esse curso é um começo, não um fim” (L-pfl.ep.:). O propósito do livro de exercícios é nos colocar na estrada certa, nos pôr em contato com o Espírito Santo. A partir daí trabalhamos com Ele. O desfazer da culpa é trabalho para uma vida inteira porque a nossa culpa é tão enorme; que se fôssemos confrontá-la de uma vez só ficaríamos estarrecidos, acreditando que seriamos aniquilados pela morte, ou que enlouqueceríamos. Portanto, temos que lidar com ela aos poucos, um pedaço de cada vez. As várias experiências e situações que constituem a nossa vida podem ser usadas como parte do plano do Espírito Santo para nos guiar para longe da culpa em direção a inculpabilidade.

Um Curso em Milagres fala muito sobre economizar tempo. De fato, muitas vezes, fala sobre ganhar milhares de anos (ex. T-II.:). Mesmo dentro da ilusão temporal deste mundo, ainda estamos falando de um tempo considerável. Estou enfatizando isso porque não quero que vocês se sintam culpados por continuar tendo problemas ao longo do seu trabalho com o Curso. A meta real no nível prático do Curso não é ficarmos livres de problemas, mas reconhecermos o que eles são, para depois reconhecermos os meios para desfazê-los dentro de nós.

Mais uma vez, de forma muito clara, o propósito de Um Curso em Milagres é trazer à tona o sistema de pensamento do ego e o sistema de pensamento do Espírito Santo—a nossa mentalidade certa e a nossa mentalidade errada—para assim nos habilitar a optar contra a mentalidade errada e a favor do perdão e do Espírito Santo. Esse é um processo lento e temos que ser pacientes. Ninguém escapa da culpa da noite para o dia. As pessoas que dizem a vocês que transcenderam seus egos provavelmente não o fizeram. Se o tivessem feito, nem sequer lhes diriam, pois estariam além disso.

Deixem-me falar agora, de forma bastante específica, sobre como isso funciona. E aqui vemos como Jesus e o Espírito Santo nos pediriam para lidar com as situações que aparecem nas nossas vidas. Vamos dizer que estou sentado aqui, tentando fazer o trabalho do meu Pai e alguém entra e me insulta ou joga alguma coisa em cima de mim. Vamos assumir que, nesse momento em que estou aqui sentado, eu não esteja na minha mente certa. Em outras palavras, eu acredito que sou um ego. Sinto-me amedrontado e culpado, e não acredito que Deus esteja comigo; não estou me sentindo muito bem sobre mim mesmo. Agora você entra e começa a xingar e gritar comigo, me acusando de todos os tipos de coisas. Em algum nível, porque sou culpado, acreditarei que o seu ataque a mim é justificado. Isso não tem nada a ver com o que você diz ou não diz, ou se o que você diz é ou não verdadeiro. O fato de eu já ser culpado vai exigir que eu acredite que deva ser punido e atacado. Você entra e faz exatamente o que eu acredito que esteja vindo para mim. Isso vai dar lugar a duas coisas. Em primeiro lugar, o seu ataque a mim vai reforçar toda a culpa que eu já sinto. Em segundo lugar, vai reforçar a culpa que você já sente porque você não me estaria atacando se você mesmo já não fosse culpado. O seu ataque a mim vai reforçar a sua própria culpa.

Nessa situação, eu não vou apenas sentar aqui e receber o seu ataque sem me mexer. Eu farei uma dessas duas coisas (ambas são a mesma): uma é ir para um canto chorar e pedir a você para ver como você me tratou mal, como me trouxe todo esse sofrimento, para que você veja como me sinto miserável e se sinta responsável por isso. A mensagem que eu estou lhe dando é: por causa da coisa terrível que você me fez, eu estou agora sofrendo. Essa é a minha maneira de lhe dizer que você deve se sentir arrasado e culpado por causa do que você me fez. A outra forma de fazer a mesma coisa é atacar você de volta. Vou apenas xingar você com todos os nomes feios que conheço e dizer: “O que você pensa que é me chamando de tudo isso? Você é que é realmente uma pessoa, etc”.

Essas duas formas de defesa da minha parte são realmente maneiras de fazer você se sentir culpado pelo que fez comigo. O próprio fato de eu estar fazendo isso com você constitui um ataque pelo qual eu vou me sentir culpado; o próprio fato de eu estar impondo culpa a você, que já se sente culpado, vai reforçar a sua culpa. Assim, o que acontece quando a sua culpa se encontra com a minha é que a reforçamos em cada um de nós e desse modo ficamos ambos ainda mais condenados a essa prisão de culpa na qual vivemos.

Dessa vez, vamos assumir que você vem aqui e me insulta, mas agora eu estou na minha mente certa e me sinto bem em relação a mim mesmo. Sei que Deus está comigo, que Deus me ama e, por causa disso, nada pode me ferir. Não importa o que você faça comigo, porque eu sei que Deus está comigo, sei que estou perfeitamente a salvo e em segurança. Sei que seja o que for que você diga, mesmo que possa ser verdade em certo nível, em um nível mais profundo não pode ser verdadeiro porque sei que sou um Filho de Deus e, portanto, sou perfeitamente amado pelo meu Pai. Não há nada que você diga ou faça que possa tirar isso de mim.

Se assumirmos que é essa a posição na qual eu estou no momento em que estou aqui sentado e você entra e me insulta, eu sou livre para olhar para o que você fez de outra maneira. Há uma frase maravilhosa na primeira carta de João no Novo Testamento que diz: “O amor perfeito exclui o medo”. Jesus a cita muitas vezes no Curso de modos diferentes. O que isso significa não é apenas que o amor perfeito exclui o medo, também exclui o pecado, a culpa, e todas as formas de sofrimento e raiva. Não há nenhuma maneira de alguém estar repleto do amor de Deus (e identificado com isso) e ter medo, raiva, culpa, ou buscar ferir outra pessoa. É absolutamente impossível que alguém sinta o Amor de Deus e procure ferir um outro. Você simplesmente não pode fazer isso.

Isso significa que se você está tentando me ferir, naquele momento específico você não acredita que esteja repleto do Amor de Deus. Naquele momento específico, você não está se identificando como um Filho de Deus. Você não acredita que Deus seja seu Pai e, porque está no seu estado egótico, você se sentirá ameaçado e culpado. Você sentirá que Deus está tentando pegá-lo. E a única forma de você lidar com toda essa culpa é atacando um irmão. É isso o que a culpa sempre faz. Portanto, quando você me insulta ou me ataca, está dizendo: “Por favor, me ensine que eu estou errado; por favor me ensine que há um Deus que me ama, que eu sou Sua criança. Por favor, me mostre que o amor que eu acredito ser impossível para mim realmente existe”. Assim, todo ataque é um pedido de auxilio ou um pedido de amor.

O primeiro subtítulo do capítulo do texto, “O julgamento do Espírito Santo” (T-I) declara isso de forma muito nítida. Aos olhos do Espírito Santo cada ataque é um pedido de ajuda ou um pedido de amor porque se a pessoa se sentisse amada, ele ou ela não poderiam nunca atacar. O ataque é uma expressão do fato de que a pessoa não se sente amada e, portanto, é um pedido de amor. Está dizendo: “Por favor, me mostre que eu estou errado, que realmente existe um Deus que me ama, que eu sou a Sua criança e não um filho do ego”. Se eu estou sentado aqui na minha mente certa é isso o que vou ouvir. Vou ouvir no ataque um pedido de amor. E por estar identificado com o Amor de Deus naquele momento, como poderia responder de qualquer outra maneira que não fosse uma tentativa de estender esse Amor?

A forma especifica na qual eu respondo ao ataque cabe ao Espírito Santo. Se eu estou na minha mente certa, perguntarei a Ele e Ele me mostrará como devo responder. A forma das minhas ações não é importante. Esse não é um curso sobre atos ou comportamento, mas sobre uma mudança no nosso modo de pensar. Como nos diz Um Curso em Milagres, “não busques mudar o mundo, mas escolhe mudar a tua mente sobre o mundo” (T-in.:). Se pensamos de acordo com o Espírito Santo, tudo o que fizermos será certo. Santo Agostinho disse uma vez: “Ama e faze o que quiseres”. Se o amor está no nosso coração, tudo o que fizermos será certo; se não está, tudo estará errado, pouco importa o que seja. Portanto, a minha preocupação, ou o que deve me interessar não é o que eu devo fazer quando você me ataca; o que me interessa é como posso ficar na minha mente certa para poder então perguntar ao Espírito Santo o que devo fazer. Repetindo, se eu estou na minha mente certa, verei o seu ataque como um pedido de ajuda e não verei o ataque de forma alguma.

Essa idéia de julgamento é extremamente importante. Mais uma vez, de acordo com o Espírito Santo, há apenas dois julgamentos que podemos fazer sobre qualquer pessoa ou qualquer coisa neste mundo. Ou é uma expressão de amor ou um pedido de amor. Não há nenhuma outra alternativa possível. O que faz com que viver neste mundo seja muito simples, uma vez que você pense assim. Se alguém expressa amor a mim, como posso responder a não ser expressando amor de volta? Se meu irmão ou irmã está pedindo amor, como posso reagir a não ser dando esse amor?

Ainda outra vez, isso faz a vida neste mundo ser muito simples. Isso significa que pouco importa o que a gente faça, pouco importa o que o mundo pareça fazer a nós, a nossa resposta sempre será uma resposta de amor, o que realmente faz com que tudo seja muito simples. Como diz o Curso, “a complexidade é do ego” (T-IV.:), mas a simplicidade é de Deus. Enquanto seguirmos os princípios de Deus, tudo o que fizermos será sempre a mesma coisa. O subtítulo no final do Capítulo foi escrito no dia de Ano Novo e Jesus sugere como a resolução de Ano Novo: “Faze com que esse ano seja diferente fazendo com que tudo seja o mesmo” (T-XI.:). Se você pode ver que tudo é uma expressão de amor ou um pedido de amor, nesse caso você sempre reagirá da mesma forma: com amor.

Perdoar é ser capaz de olhar para o que está além da escuridão do seu ataque, vendo-o, em vez disso, como um pedido de luz. Essa é a visão de Cristo, e a meta de Um Curso em Milagres é ajudar-nos a fazer face a qualquer situação e qualquer pessoa em nossas vidas, sem exceções, com essa visão. Fazer uma única exceção é dizer realmente que há uma parte de mim mesmo que eu quero manter amortalhada na escuridão da culpa, sem nunca deixar que seja libertada pela luz. A forma na qual eu faço isso é projetar essa parte em você e ver essa mancha escura em você. A última visão do Curso vem na última página do texto, onde ele diz que “nada que venha das trevas ainda permanece para esconder a face de Cristo de quem quer que seja”. Nesse ponto toda a escuridão da culpa em nós mesmos será desfeita. Então veremos a face de Cristo que, incidentalmente, não é a face de Jesus. A face de Cristo é a face da inocência que veremos em todas as pessoas no mundo. Nesse momento atingimos a visão de Cristo e é a isso que o Curso se refere quando nos fala do mundo real, que é a meta final antes do Céu.

O que isso significa em termos da nossa vida prática é sermos capazes de ver cada coisa que ocorre — a partir do momento em que nascemos ao momento da nossa morte, do momento em que acordarmos todos os dias ao momento em que vamos dormir toda a noite — como uma oportunidade que o Espírito Santo pode usar para nos ajudar a ver que somos sem culpa. Assim como olhamos as outras pessoas nas nossas vidas estamos olhando para nós mesmos. Assim sendo, as pessoas que são as mais difíceis e as mais problemáticas são as maiores dádivas para nós porque se pudermos curar os nossos relacionamentos com elas, o que estamos realmente fazendo é curando o nosso relacionamento com Deus.

Cada problema que vemos em uma outra pessoa, que queremos excluir das nossas vidas, é realmente o desejo secreto de excluirmos uma parte da nossa culpa de nós mesmos de modo a não termos que soltá-la. Essa é a atração que o ego tem pela culpa. A melhor forma de conservarmos culpa é agredindo um outro. Sempre que formos tentados a fazer isso, o Curso nos diz que há Alguém conosco que nos baterá levemente no ombro, lembrando-nos: “Meu irmão, escolhe outra vez”. E a escolha é sempre entre perdoarmos ou não perdoarmos. A escolha que fazemos ao perdoar uma outra pessoa é a mesma escolha que fazermos para perdoar a nós mesmos. Não há nenhuma diferença entre o que está fora ou o que está dentro; tudo é uma projeção do que sentimos dentro de nós. Se sentirmos culpa dentro de nós, nesse caso é isso que vamos projetar lá fora. Se sentirmos o Amor de Deus dentro de nós, então é isso que estenderemos ao que está fora. Todas as pessoas e todas as circunstâncias nas nossas vidas nos oferecem a oportunidade de ver o que está dentro do projetor das nossas mentes; elas nos oferecem a oportunidade de fazer uma outra escolha.

P: Toda essa idéia me parece uma maravilha, mas depois eu me envolvo em exemplos práticos que dizem respeito à execução. Vou formular um exemplo no qual eu caio num dilema e não consigo resolve-lo. Por exemplo, vamos dizer que você está trabalhando num projeto para a escola. Você tem uma hora para terminar e alguém o incomoda. Naquele ponto, você tem a escolha de agir de uma forma ou de outra. Vamos supor que a pessoa o incomode outra vez e você ainda tem só uma hora para completar o trabalho. A que ponto pode-se expressar a raiva corretamente dentro de uma atitude mental certa?

R: Essa é uma boa pergunta. Henri Nouwen, um professor de Yale, disse uma vez que era interrompido no seu trabalho até reconhecer que as interrupções eram o seu trabalho. Uma pessoa como eu, que parece estar sendo sempre interrompido, poderia encontrar nisso uma lição muito útil. Deixe-me dar-lhe algumas diretrizes.

A questão realmente depende de como você pensa que deve passar aquela hora; se você acredita na sua meta ou na meta de Deus para você. Uma possibilidade é que seja o que for que deva ser feito naquela hora realmente possa ser feito em menos tempo. Talvez nem precise ser feito absolutamente. E talvez a pessoa que esteja lhe interrompendo seja mais importante do que o trabalho. Talvez ambos sejam importantes. Talvez o trabalho tenha que ser terminado e talvez essa pessoa também precise de alguma expressão de perdão. É nisso que a fé de cada um passa a ser tão importante. Tudo o que eu disse sobre o perdão até agora tem a ver com o que nós temos que fazer. Um Curso em Milagres torna muito claro que o perdão não pode ser realizado por nós mesmos, mas pelo Espírito Santo através de nós. Quando você parece estar numa posição na qual seja o que for que você faça estará errado, a fé lhe dirá que isso não acontece por acidente. Faz parte de uma lição importante para você e para a outra pessoa.

O que você tem que fazer nessa hora é ir para dentro de si mesmo e rezar, seja qual for a sua forma de fazer isso, dizendo: “Olhe, eu quero realizar esse projeto, mas aqui está essa pessoa gritando por ajuda. Eu não quero vê-la como uma chata, mas como meu irmão ou irmã. Ajude-me!”. Se essa é realmente a sua meta, não magoar ninguém enquanto faz o que você pensa que tem que ser feito, de algum modo isso vai se realizar. É isso que é um milagre: um milagre não é mágica que acontece do lado de fora, é algo que acontece dentro de você e permite que essa situação seja resolvida. É esse o princípio que você tem que seguir a cada vez e todas as vezes que estiver numa situação que pareça insolúvel; quando você é sincero na sua motivação de não querer ferir ninguém, mas quer fazer o que tem que fazer e não sabe como. Essa é a declaração mais honesta que você pode fazer porque, em nós mesmos e por nós mesmos, nós não sabemos o que fazer, mesmo quando nos sentimos absolutamente certos. Mas há Alguém dentro de nós que, de fato, sabe, e é a Ele que temos que ir. Ele é a resposta ao nosso problema. E essa será a resposta para todos os nossos problemas.

Deixem-me agora falar sobre “Jesus no Templo”. Essa é uma pergunta que é feita quase todas as vezes que eu falo sobre raiva, especialmente se me dirijo a um grupo cristão. Vocês todos conhecem a cena de Jesus no templo. Provavelmente aconteceu; de outro modo não teria aparecido nos quatro evangelhos. Por sinal, essa é uma forma de se saber se algo aconteceu ou não. Há três evangelhos, Mateus, Marcos, e Lucas, que constituem um grupo. E depois há João, que é bem diferente. Se algo é relatado nos quatro evangelhos, é provável que tenha acontecido. Também é provável que não tenha acontecido sempre como está escrito, mas deve ter acontecido.

Segundo Mateus, Marcos e Lucas, a cena se passa no fim da vida de Jesus, pouco antes dele ser preso. Em João, acontece bem no início do seu ministério.

Jesus está no templo em Jerusalém, o lugar mais sagrado do judaísmo. As pessoas estão cobrando dinheiro por todo tipo de coisas; estão, efetivamente, usando o templo para os seus próprios propósitos. E Jesus diz: “Vós, porém, a tendes transformado em covil de salteadores”. Nisso está citando Jeremias. Ele derruba as mesas onde os trocadores de dinheiro estão fazendo seus negócios e os expulsa do templo. Alias, em lugar nenhum dos evangelhos jamais é dito que Jesus estava com raiva, mas o descrevem em um estado que poderia ser equivalente à raiva. Esse é um incidente que as pessoas usam para validar o que chamam de ‘justa indignação’. Afinal, dizem elas, Jesus ficou com raiva, então porque eu não posso ficar? Uma coisa interessante sobre isso é que eles esquecem todas as outras coisas nos evangelhos, onde Jesus diz claramente o que sente sobre a raiva. Você precisa ler o Sermão da Montanha onde ele diz: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás; Eu, porém, vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento”. Essa é uma declaração bem nítida, e descreve exatamente o que ele fez no fim da sua vida, no qual nenhum outro homem teria mais direito de ficar com raiva. Mas ele não ficou.

É interessante como as pessoas pegam um incidente e esquecem todo o resto. Contudo, eu penso que há três maneiras básicas de se interpretar essa cena. Uma é que ela não se passou como foi descrita. Agora, isso pode ser visto apenas como uma boa saída, mas há bastante evidência dos especialistas contemporâneos que estudam as Escrituras que indicariam que muitas das palavras iradas que foram postas na boca de Jesus não foram absolutamente ditas por ele, mas atribuídas a ele pela Igreja nos seus anos iniciais, pois ela estava tentando justificar a sua própria postura. Há uma frase na qual Jesus é citado que diz: “Eu não vim trazer paz, mas uma espada”, a qual, incidentalmente ele reinterpreta no Curso (T-I.:). O Jerome Biblical Commentary, que é um documento católico com muita autoridade, pergunta como o Príncipe da Paz poderia ter dito isso. Ele conclui dizendo que isso vem da Igreja primitiva e não do próprio Jesus. Assim sendo, uma outra possibilidade é que ele não tenha feito isso da forma como está descrito.

Mas, deixando isso de lado por um momento, assumindo que ele, de fato, tenha agido assim mesmo, a forma na qual eu escolheria compreender esse incidente é a seguinte: como qualquer bom professor, Jesus sabia como passar para os seus alunos o que queria ensinar da forma mais eficaz possível. Essa é uma cena muito dramática, diante de todas as pessoas em Jerusalém que estavam lá para a Páscoa dos judeus, uma das três maiores festas do judaísmo, quando todos deveriam ir ao templo em Jerusalém. Isso foi bem perto da Páscoa, portanto, o lugar estava muito cheio de gente. Esse era o lugar mais santo da terra para um judeu, e é aqui que Jesus escolhe mostrar com clareza como o templo de seu Pai deveria ser tratado. Uma maneira de se ver isso é considerar que ele não estava pessoalmente com raiva, mas sim tentando esclarecer algo da forma mais dramática e convincente possível.

Quando falamos de raiva, há três atributos importantes nisso. Um é que a pessoa que está com raiva não está em paz. As pessoas não tentariam afirmar que no momento em que estão com raiva estão também em paz. Os dois estados são mutuamente exclusivos. O segundo é que no momento em que você está com raiva, Deus é a coisa mais distante da sua mente. Você não está pensando em Deus, e sim no que essa pessoa terrível fez com você. O terceiro atributo da raiva envolve a pessoa da qual você tem raiva; você não a está vendo absolutamente como seu irmão ou sua irmã naquele momento. É óbvio que você está vendo aquela pessoa como seu inimigo ou não a estaria atacando.

Agora, eu pessoalmente acho difícil acreditar que naquele ponto na vida de Jesus, qualquer coisa desse mundo pudesse roubar-lhe a paz, fazer com que ele esquecesse seu Pai, ou ver qualquer um no mundo como se não fosse seu irmão ou irmã. Assim sendo, o que eu acho que Jesus estava fazendo no templo não era ficar com raiva como nós ficaríamos com raiva, mas apenas mostrando algo com muita força e ensinando uma lição de modo que as pessoas captassem o que ele queria dizer. Há muitos exemplos nos evangelhos onde fica muito claro que Jesus ensinava de um certo modo quando ensinava a multidões, e de outro quando ensinava seus apóstolos com os quais tinha maior intimidade—João, Tiago, ou Pedro. Há níveis de ensinamento como qualquer professor sabe. O templo era um lugar público onde ele estava tentando captar a atenção das pessoas para lhes passar o que tinha a dizer. Portanto, ele não estava pessoalmente com raiva das pessoas que estava expulsando.

Há ainda uma terceira forma de explicar tudo isso que pretende dizer que Jesus teve um ataque egótico. Ele simplesmente chegou no limite, perdeu a paciência, ficou com raiva, gritou, e urrou. Eu pessoalmente não posso acreditar que isso tenha sido assim no fm da sua vida. Mas, se vocês ainda quiserem dizer que foi isso que ele fez, a questão ainda seria perguntar porque vocês escolhem identificar-se com o seu ego e não com o Cristo nele, e com todas as outras coisas que ele ensinou, disse e exemplificou.

Assim, as três explicações são: (1) não aconteceu assim absolutamente, (2) ele estava apenas tentando ensinar em um nível diferente e não estava com raiva, ou (3) ele simplesmente teve um ataque egótico e porque quereriam vocês se identificar com isso quando há outras formas melhores de lidar com esse problema?

P: Porque a raiva é tão usada em psicoterapia como algo terapêutico? Dizem que é preciso atravessá-la e coisas desse tipo?

R: A maioria das psicoterapias são parte do ego. É lastimável que a psicologia dos últimos vinte ou trinta anos tenha descoberto a raiva e feito dela um ídolo.

Vou falar um pouco sobre a raiva, que é um dos grandes problemas no mundo. O panfleto Psicoterapia fala do problema da psicoterapia como o problema da raiva realmente. A razão disso é que a raiva é a defesa proeminente da culpa. A raiva nos mantém presos fora de nós mesmos”.

É interessante pensar na raiva nos termos da história ao longo deste século, especialmente como os psicólogos a tem visto. Isso prove o pano de fundo para compreendermos como as pessoas a vêem agora. Nos primeiros cinqüenta anos deste século ou mais ou menos isso, a psicologia foi dominada por Freud e pela psicanálise. É muito útil quando lemos Freud ou vemos a influência que ele teve, nos lembrarmos que ele fez todo o seu trabalho em uma atmosfera bastante vitoriana. Viena na passagem do século era muito influenciada pelos valores vitorianos, e Freud era realmente apenas um filho do seu tempo. Isso quer dizer que o seu ponto de vista não podia deixar de ser influenciado por preconceitos. Ele temia sentimentos e, conseqüentemente, a sua expressão. A coisa interessante é que toda a sua teoria pretende libertar-nos da repressão. Ainda assim, a atitude que ele tinha pessoalmente e manifestava nas suas teorias é que não deveríamos expressar sentimentos. Podemos analisá-los, sublimá-los, ou deslocá-los, mas não devemos expressá-los. Aqui, nós vamos nos concentrar no sentimento da raiva.

O sentimento dominante na psicologia e na psicoterapia era que se ensinava às pessoas a analisar os seus sentimentos, a sublimá-los, ou a deslocá-los para outras coisas. Contudo, não se devia expressá-los. Certamente, esse também era um valor predominante no cristianismo. Um cristão ‘verdadeiro’ dá a outra face, o que quer dizer que vão nos bater na cara duas vezes, pois foi assim que o ensinamento foi passado e compreendido. (Incidentalmente, não foi isso que Jesus queria dizer—que fôssemos vítimas que sofrem em seu nome). Tudo isso foi reforçado pela idéia de que a raiva era algo que devia ser temido. Era considerada uma coisa ruim que devia ser empurrada para baixo e reprimida. Depois da II Guerra Mundial houve uma revolução na psicologia. De repente as pessoas descobriram que tinham sentimentos. O que veio à tona foi todo o movimento dos grupos de ‘gestalt’, trabalhos de grupo de sensitividade, grupos de treinamento de sensitividade, grupos de confronto, grupos de maratonas, etc. Portanto, as pessoas ficaram muito eficientes em atravessar as defesas contra a raiva, experimentando todos os seus sentimentos e emoções, especialmente a raiva.

O pêndulo oscilou de um extremo para o outro. Ao invés das pessoas serem ensinadas a reprimir a raiva e analisá-la, o critério para a saúde mental passou a ser botar os sentimentos para fora. E as pessoas passaram a ser muito boas na expressão de seus sentimentos. Assim, duas alternativas básicas foram estabelecidas: uma para reprimir a raiva e a outra para expressá-la. Se reprimimos a nossa raiva continuamente, vamos ter úlceras e problemas gastro-intestinais. Por outro lado, se expressarmos sempre a nossa raiva, estaremos fazendo exatamente o que lhes disse antes: estaremos apenas reforçando a própria culpa que está abaixo da raiva. Assim, isso parece ser um problema sem saída.

A chave para a compreensão do problema é ver a premissa subjacente a essas duas alternativas, e isso é interessante, pois acontece que é a mesma premissa. As soluções parecem ser inteiramente diferentes— uma é repressão e a outra expressão—contudo, a premissa é a mesma. São realmente cara e coroa da mesma moeda. A premissa é que a raiva é uma emoção básica do ser humano, inerente a espécie humana. Portanto, quando se discute a raiva, ela é descrita quase como se tivesse uma massa de energia que pudesse ser medida. Há algo que é inerente a nós e faz com que sejamos humanos e isso inclui a raiva e não podemos deixar de fazer alguma coisa com ela. Se a empurrarmos para baixo e a mantemos no interior, ela tem uma erupção dentro de nós, e ficamos com úlceras. Alternativamente, podemos tirar essa massa de energia de dentro de nós, colocando-a fora do nosso sistema, e como a gente se sente bem em jogar essa terrível carga para fora! A razão real que faz com que a expressão da raiva faça a gente se sentir tão bem não tem nada a ver com a expressão da raiva. Ao invés disso, o que parece ocorrer é que pela primeira vez acreditamos que finalmente ficamos livres dessa carga de culpa.

A emoção humana básica, portanto, não é a raiva, é a culpa. Esse é o engano que está na base de todo o enfoque que o mundo adota ao considerar a raiva. Um Curso em Milagres tem um subtítulo muito bonito chamado “As duas emoções” (T-V) no qual ele diz que temos apenas duas emoções. Uma nos foi dada e a outra nós fizemos. A que nos foi dada é o amor; isso foi dado por Deus. E a que nós fizemos como um substituto para o amor é o medo. Repetindo, sempre podemos substituir medo por culpa.

A emoção humana básica, que é a emoção básica do ego, é medo ou culpa. Não é raiva. A raiva é uma projeção da culpa e nunca é o problema. O problema real é sempre a culpa subjacente. A razão pela qual nos sentimos tão bem quando descarregamos a nossa raiva em cima de alguém é que naquele instante acreditamos que finalmente ficamos livres da nossa culpa. O problema vem na manhã seguinte, ou várias manhãs depois, quando acordamos e nos sentimos péssimos. Ao experimentarmos a ressaca psicológica conhecida como depressão. Não sabemos de onde vem a depressão. Nós culpamos todo o tipo de coisa. Não nos damos conta de que a razão real da nossa depressão é nos sentirmos culpados pelo que fizemos com essa outra pessoa. Sempre que ficamos com raiva ou atacamos, nos sentimos culpados mais tarde. As pessoas falam de depressão como raiva não expressada. Em um certo nível, isso é verdade, mas embaixo da raiva está a culpa. O significado real da depressão é culpa ou ódio a si mesmo.

Agora que disse a vocês todas essas coisas terríveis sobre a raiva, deixem-me dizer que há uma circunstância na qual uma expressão de raiva pode ser positiva e a pergunta era essa. Isso envolve se considerarmos a raiva de um ponto de vista terapêutico. Se nos foi ensinado ao longo de toda a vida que a raiva é algo ruim, como provavelmente é verdade para todas as pessoas nesta sala, então o que nos foi realmente ensinado é que a raiva é algo amedrontador. Acreditamos que se expressarmos raiva, algo terrível vai acontecer com a outra pessoa; ou ainda pior, algo terrível vai acontecer conosco. Pode ser, portanto, muito útil terapeuticamente, como parte do processo de nos livrarmos inteiramente da raiva e da culpa, passarmos um período no qual expressamos raiva e temos a experiência de que não é nada de mais. Podemos ficar com raiva das pessoas e elas não vão cair mortas aos nossos pés. Podemos ficar com raiva de alguém, e Deus não nos vai aniquilar por causa do que fizemos. Com efeito, nada de terrível vai acontecer absolutamente. Não é nada de mais. Nesse ponto, podemos olhar para a raiva mais objetivamente e reconhecer que o problema não é a raiva de jeito nenhum. O problema real é a raiva que estamos dirigindo a nós mesmos pela nossa culpa.

O perigo é não vermos isso como um estágio temporário. Graças aos ensinamentos recentes de psicologia, veremos isso como um fim. O que acontece então é que a raiva é adorada como um ídolo porque a gente se sente tão bem jogando a carga para fora e ficando com raiva de uma outra pessoa. A psicologia nunca visa a nos ensinar (porque a psicologia é realmente um sistema muito secular) que o problema real é a culpa e que a culpa é uma defesa contra Deus. O que acontece então é que a expressão da raiva passa a ser a meta, e nos sentimos tão bem que não queremos abandonar isso. Todavia, a nossa meta realmente deveria ser entrar em contato com a culpa subjacente e lidar com ela. Precisamos expressar a nossa raiva apenas como uma fase para nos ajudar a ir além dela inteiramente. Portanto, se passamos por um período no qual sentimos necessidade de ficar com raiva, deveríamos vê-lo como um estágio temporário, tentando ver a raiva como algo que não é grande coisa. Então, podemos lidar com o problema real, que é a culpa. Quando lidarmos de fato com a culpa e pudermos abandoná-la, nunca mais precisaremos ficar com raiva outra vez.

P: Uma coisa que eu entendi ouvindo o Sr. Krishnamurti é a sugestão dada por ele de que há possibilidade da mudança ser imediata.

R: Um Curso em Milagres diz a mesma coisa. Diz que essa coisa toda poderia acabar em um instante. Mas, há também outros lugares onde ele diz que isso levará um longo tempo, e que você tem que ser paciente. Bem no início do texto há uma frase que eu tenho certeza deve tem aborrecido muitas pessoas. Fala do Juízo Final, que é realmente o desfazer coletivo do ego ou a realização completa da Expiação. Diz que “Assim como a separação ocorreu no decurso de milhões de anos, o Juízo Final vai se estender por um período similarmente longo e talvez até mais longo” (T-VIII.:). Contudo, também diz logo depois disso que o tempo pode ser consideravelmente encurtado pelos milagres. Mas, não é provável que ocorra de um dia para o outro. Se você apenas pensar em como o nosso mundo é constituído, verá que a base de tudo é uma tremenda quantidade de medo, e que ele motiva cada aspecto do mundo. Cada instituição, cada sistema de pensamento dentro desse mundo é motivado pelo medo e pela culpa. Você simplesmente não pode mudar isso neste momento. Eu penso que o plano da Expiação e a parte que o Curso desempenha nele é mudar as mentes dos indivíduos com muito mais rapidez do que seria possível de outra forma. A ‘aceleração celestial’ é isso, mas ainda está acontecendo dentro de uma estrutura composta por um considerável período de tempo.

O Significado dos Milagres

Eu deveria dizer alguma coisa sobre milagres, já que esse é o nome do livro. Essa é outra das palavras que são usadas de um modo diferente. Um Curso em Milagres usa a palavra ‘milagre’ significando simplesmente uma correção, o desfazer de uma percepção falsa. E uma mudança na percepção, é o perdão, é o meio através do qual vem a cura. Todas essas palavras são basicamente a mesma coisa. Elas não têm nada a ver com o externo. Um milagre, ou algo que era assim chamado em termos de coisas externas, tais como andar na água, ou uma cura externa é apenas um reflexo de um milagre interno. Um milagre é uma mudança interna. Uma das frases mais bonitas no Curso define um milagre assim: “O mais santo de todos os lugares da terra é aquele onde um antigo ódio veio a ser um amor presente” (T-IX.:l). Isso é um milagre. Quando a sua percepção odiosa de alguém de repente muda e você olha com amor para aquela pessoa, isso é um milagre. É uma mudança na percepção; é uma correção que vai do modo de olhar do ego para o modo de olhar do Espírito Santo.

É por isso que este é um curso em milagres; ele nos diz como fazer isso. Ele nos fala do que fazer para mudar as nossas mentes. Repetindo, nós não mudamos o mundo, mudamos de idéia sobre o mundo. Não buscamos mudar uma outra pessoa; mudamos a nossa forma de olhar para aquela pessoa.

O Espírito Santo vai trabalhar através de nós para fazer o que Ele pensa ser melhor. É uma mudança de idéia que vem com uma mudança na percepção. É isso que é um milagre e essa é a meta do Curso.

Agora vou falar um pouco mais sobre o papel de Deus e do Espírito Santo nisso. Uma das qualidades importantes de Um Curso em Milagres é ser um livro religioso. Não é apenas um livro de auto-ajuda, ou um sistema psicológico sério, o que obviamente ele é também. É um livro profundamente religioso. Os seus aspectos religiosos estão centrados em dois pontos de vista. O primeiro é que sem Deus, nada nos resta a não ser o ego. A menos que saibamos que existe um Deus que nos criou, de quem nós somos Filhos, estamos presos a seja qual for a imagem ou percepção que temos sobre nós mesmos, que será sempre algo gerado pelo ego. O verdadeiro perdão é impossível, a menos que seja antes nutrido na crença que nos assegura que somos invulneráveis. Em outras palavras, nós não podemos ser feridos por nada nem ninguém no mundo; tal crença é impossível, a menos que se saiba que existe um Deus que nos criou e que nos ama. Assim, esse é o fundamento de todo o sistema de pensamento que o Espírito Santo nos está oferecendo, tal como o Curso o expressa.

A segunda parte da importância de Deus em tudo isso é um pouco mais prática. O verdadeiro perdão é impossível sem o Espírito Santo. Isso é verdade de dois pontos de vista. Primeiro, não somos nós que perdoamos, não somos nós que desfazemos a culpa. Estritamente falando, quando Um Curso em Milagres fala de perdão, está realmente falando da decisão que tomamos para deixar que o perdão do Espírito Santo venha através de nós. Em nós mesmos e por nós mesmos não podemos jamais perdoar, porque em nós e no que é nosso, pelo menos no mundo, nós somos o ego. Não podemos mudar um sistema de pensamento de dentro desse sistema. Precisamos de ajuda que venha de fora do sistema—ajuda que entra no sistema de pensamento e então o transforma. Essa ajuda que vem de fora do sistema de pensamento do ego é o Espírito Santo. Assim, é Ele que perdoa através de nós.

A segunda coisa é até mais importante e responderá a muitas perguntas que as pessoas fizeram. O perdão é a coisa mais difícil do mundo, e essa é a razão pela qual quase ninguém perdoa, e também é por isso que todo o conceito do perdão dado por Jesus foi tão amargamente mal entendido a partir do momento que ele o transmitiu. A razão disso é que quando perdoamos verdadeiramente, assim como o Curso nos diz para fazer, estamos realmente abandonando a nossa culpa. E ninguém que esteja identificado com o ego quer fazer isso. Sem a ajuda de Deus não há forma de conseguirmos superar alguns dos problemas mais profundos da culpa que nos confrontarão.

E se vocês pensarem no tempo como um contínuo, um tapete é uma imagem muito útil para descrever todo este processo. Quando a separação ocorreu, todo esse tapete do tempo se desenrolou, e desde então nós temos caminhado nesse tapete para longe de Deus. Quanto mais andamos para longe de Deus, mais profundo se torna o nosso envolvimento com o mundo e os problemas da culpa e do pecado. Quando pedimos ao Espírito Santo que nos ajude, revertemos esse processo e começamos a caminhar em direção a Deus. Algumas das passagens mais interessantes do Curso falam sobre o tempo. Essas são muito difíceis de serem compreendidas porque nós ainda estamos presos nele. A um certo ponto o curso diz que o tempo parece ir para frente, mas realmente está indo para trás, para o momento em que o tempo começou (T-; M-;: -). Foi aí que a separação ocorreu. Todo o propósito da Expiação é o plano do Espírito Santo para desfazer o ego. E esse plano está enrolado nesse tapete do tempo. O ego quer que nós o desenrolemos mais e mais, enquanto o Espírito Santo quer que o enrolemos para voltar ao começo.

Na medida em que o enrolamos, o que o perdão e o milagre fazem, nós nos aproximamos da própria base do sistema egótico. O começo do tapete é o nascimento do ego, que é o lar do pecado e da culpa. E essa é a pane mais profunda do sistema do ego. Se você pensar na imagem do iceberg que eu mencionei anteriormente, o fundo do iceberg é o núcleo da culpa que todos nós sentimos.

Ao nos aproximarmos da culpa e do medo que evitamos ao longo da vida inteira (Se não forem muitas vidas), realmente cairemos em pânico. Essa culpa é a coisa mais devastadora e amedrontadora que existe no mundo. É por isso que o processo é lento e também é por isso que temos que ser pacientes ao empreendê-lo. Se formos rápido demais, não estaremos preparados para o ataque da culpa que se abaterá sobre nós. Nos dois últimos parágrafos do primeiro capítulo do texto (T-VII. -), lemos sobre a necessidade de irmos bem devagar e com cuidado ao longo do material do Curso, incluindo os primeiros quatro capítulos. Se não formos, não estaremos preparados para o que virá a seguir e ficaremos com medo. É aí que as pessoas jogam o livro fora.

Temos que trabalhar lentamente através de tudo isso em nós mesmos, ainda sem sequer mencionar o estudo do Curso em si, porque de outro modo o nosso medo atingirá proporções maiores do que seremos capazes de administrar. Assim, ao nos aproximarmos do fundamento do sistema egótico, ficaremos mais amedrontados da culpa que está lá enterrada. A menos que saibamos que existe Alguém caminhando conosco e nos dando a mão, Alguém que não nós mesmos e que nos ama, não seremos capazes de dar esse passo.

Um Curso em Milagres nos ensina que a meta desse processo de desfazer a nossa culpa não é despertarmos do sonho inteiramente, mas vivermos no “mundo real” ou no “sonho feliz”. Assim, à medida que o tapete volta a ser enrolado, eventualmente a nossa mente atinge um estado no qual nós não temos mais nenhuma culpa para projetar e, portanto, estamos em paz o tempo todo, sem considerarmos o que está acontecendo no mundo exterior. Esse estado é o “mundo real”, e é um conceito que reflete a gentileza do caminho do Curso. Corno nos diz o texto, “A Vontade de Deus é que ele desperte gentilmente e com alegria e deu-lhe o meio para despertar sem medo” (T-VII.:).

Uma das coisas que as pessoas me perguntam constantemente é como posso eu falar sobre perdão para pessoas que não acreditam em Deus. Essa semana eu tive ocasião de falar para pessoas idosas numa casa onde a minha mãe trabalha como voluntária. Essa é uma organização judaica, mas a maioria das pessoas não são realmente religiosas como imaginaríamos que fossem. Eu falei sobre o perdão que é sempre o meu assunto. Foi um desafio interessante. Eu tentei não tocar muito em Deus, pois isso aliena as pessoas ainda mais. Contudo, é muito difícil falar sobre o perdão sem falar de Deus, porque sem Deus o verdadeiro perdão não pode acontecer.

Os estágios iniciais do processo do perdão podem ser feitos por qualquer pessoa, porque nós podemos sempre ser ensinados a ver as pessoas de modo diferente. Mas ao entrarmos em alguns dos problemas realmente difíceis de nossas vidas, e em última instância esses serão problemas de perdão, precisamos saber que existe Alguém conosco que nos ama. Todavia, essa Pessoa não somos nós mesmos. Essa Pessoa é o Espírito Santo ou Jesus, ou seja qual for o nome que escolhemos dar a Ele. Sem a Sua ajuda estaremos assustados demais para seguir o que resta do caminho; estaremos dispostos a ir somente até um certo ponto. Portanto, o Espírito Santo não é apenas o nosso guia ou nosso Professor, Ele é também o nosso Consolador. No final do livro de exercícios Jesus diz: “e disso podes estar certo: eu nunca te deixarei sem consolo” (L-pH.ep.:). A menos que saibamos que ele quer dizer literalmente isso, que há Alguém em nós que não somos nós mesmos e que nos amará e nos consolará, nunca seremos capazes de ir até desse fundamento do sistema egótico que nos fará lidar com a nossa própria culpa. Mais uma vez, isso sempre é feito no contexto de perdoarmos uma outra pessoa. Nem Jesus e nem o Espírito Santo ligam para o nome que escolhemos dar a Eles. Mas é importante para Eles que reconheçamos que há Alguém conosco que vem de Deus, que nos está levando pela mão e nos guia. Sem esse sentimento que nos conforta e nos garante, nunca seremos capazes de atingir o que está além do ego. E por isso, mais uma vez, quando as coisas parecem estar piorando, podem estar verdadeiramente melhorando.

Há dois subtítulos no Capítulo do texto que são muito úteis: “As duas avaliações” (T-VII) e “Grandeza versus grandiosidade” (T-VIII). Ambos declaram de forma muito específica que o ego nos vai atacar e se tornará perverso exatamente quando estivermos seguindo o Espírito Santo. Lembrem-se que para o ego aqueles que não tem culpa são os culpados. Quando traímos o ego e começamos a escolher a inculpabilidade ao invés da culpa, o ego nos mostrará o que ele está sentindo agredindo violentamente. É por isso que o Curso nos diz que as emoções do ego vão da suspeita à perversidade (iT-VII.:). Quando estivermos realmente começando a levar o Espírito Santo a sério, o ego se tornará claramente perverso. É aí que as coisas parecerão difíceis.

Estou falando agora sobre isso como um princípio abstrato, mas quando estivermos passando por isso, nada será menos abstrato. Pode ser a coisa mais devastadora, mais forte e dolorosa que jamais experimentamos. Repetindo, a menos que saibamos que há Alguém conosco que fala pela verdade e pelo amor, e que nos vê de uma forma diferente, nunca atravessaremos isso. Apenas jogaremos o livro fora, nos esconderemos debaixo da cama e jamais sairemos de lá. Ou correremos para o lado oposto. É por isso que o processo tem que ser feito lentamente e também é por isso que somos guiados com todo o cuidado ao longo do caminho. O plano da Expiação para cada um de nós é planejado cuidadosamente, o que explica a variação no tempo que levamos para completá-lo.

Um Curso em Milagres explica que o currículo da Expiação é individualizado (M-:), o que significa que o Espírito Santo corrige para nós todas as formas específicas nas quais nós, como indivíduos, manifestamos o erro da separação que todos compartilhamos. Não somos nós que fazemos o plano desse currículo. Nós nem mesmo entendemos o que é o plano na verdade. E definitivamente não somos nós que nos conduzimos através dele. Portanto, é importante não nos confundirmos com Deus, pois se o fizermos, não haverá ninguém a quem possamos recorrer na hora do “vamos ver”.

Ainda que seja verdade que o Curso diz que o Espírito Santo sempre nos ‘enviará’ pessoas no mundo para ajudar-nos, o propósito último dessas pessoas é levar-nos a saber que a Pessoa que mais nos pode ajudar está dentro de nós. Graças a Deus que existem pessoas que podem nos dar a mão na medida em que enfrentamos as coisas. Contudo, a Fonte definitiva do consolo estará dentro de nós, pois foi lá que Deus colocou a Resposta. Mais uma vez eu devo enfatizar que esse é um processo lento. Se formos depressa demais, o medo virá a ser esmagador antes de termos desenvolvido confiança suficiente em nós mesmos ou em Deus. A confiança em nós mesmos é sabermos realmente que o Espírito Santo está lá para ajudar-nos a enfrentar tudo. Na medida em que progredimos e praticamos todas as nossas lições diárias, começamos a reconhecer que todos os milagres e mudanças que estão ocorrendo não estão sendo feitas por nós. São feitos através de nós, mas não por nós. Há Alguém que nos está ajudando a percorrer o caminho. Uma das coisas que Um Curso em Milagres torna muito clara é a importância de desenvolvermos uma relação pessoal com Jesus ou com o Espírito Santo. Do ponto de vista da função, não faz diferença quem escolhemos. Ambos funcionam como nossos Professores internos e o Curso usa ambos, ora um ora outro, dessa mesma forma. Quando o Curso enfatiza a nossa necessidade desse relacionamento pessoal com nosso Professor interno, ele não fala do Espírito Santo como um Ser abstrato. Fala d’Ele como de uma pessoa e usa o pronome “Ele”. Fala também d’Ele como uma expressão do Amor de Deus por nós. Isso também é verdade do que Jesus nos diz sobre o seu próprio papel. O Curso quer, portanto, que possamos desenvolver um sentido de que há Alguém dentro de nós, não uma força abstrata, mas uma Pessoa real que nos ama e nos ajudará. Se não tivermos esse sentimento para nos dar segurança, pararemos muito antes de alcançarmos a meta porque o medo simplesmente será arrasador. Se você não tem ainda essa experiência pessoal com o Espírito Santo, não precisa entrar em pânico. Apenas tenha paciência, que Ele aparecerá por Si mesmo. Basta você saber que há Alguém que o ajuda, quer sinta isso ou apenas saiba disso intelectualmente. Ele Se fará conhecer por você seja qual for a forma na qual você puder aceitá-Lo. A forma não é importante. O que é importante, contudo, é a consciência de que há Alguém com você que não é você. Ele está em você, mas não é você, pois vem de uma parte sua que não é o seu ser egótico.

P: Nós podemos escolher livremente. Não podemos escolher acelerar o tempo se nos sentimos prontos para isso?

R: Sim, com certeza. É isso que o milagre faz.

P: Isso seria em termos de uma vida. Nesse caso porque deveríamos pensar em termos de milhões de anos?

R: Milhões de anos se referem a toda a Filiação. O Juízo Final seria o fim do universo material tal como o conhecemos. Contudo, um indivíduo pode encurtar o tempo consideravelmente.

Assim, mais uma vez, se estamos indo bem e alguma coisa começa a gritar na nossa cabeça, provavelmente é um bom sinal. Quer dizer que o ego se assustou. O ego então vai tentar fazer-nos duvidar da Voz que temos ouvido. Vai tentar fazer-nos duvidar do Curso e tentar fazer-nos duvidar de tudo que temos aprendido e que tem funcionado para nós. Assim sendo, devemos esperar por isso, mas não tentar trazer isso à tona. Quando o ataque do ego de fato ocorrer, saberemos reconhecê-lo, e é muito útil ser capaz de reconhecer o ego pelo que ele é. Repetindo, o ataque do ego vem exatamente quando pensamos que estamos ficando sem ego, portanto, lembrem-se disso quando a coisa ficar preta. Não significa absolutamente que a coisa toda seja um embuste. Significa que nos assustamos, o que quer dizer que o nosso ego ficou com medo. Nesse ponto, devemos dar um passo para trás, segurar a mão de Jesus e pedir a sua ajuda para olharmos para o nosso medo. O próprio fato de estarmos segurando a sua mão nos mostra que não somos o ego. Então, olharemos para o ataque egótico e compreenderemos que não é o que parece ser.

Há um subtítulo importante chamado “Acima do campo de batalha” (T-IV) no qual Jesus nos pede para nos erguermos acima do campo de batalha e olharmos para baixo, para o que está acontecendo. A partir dessa perspectiva, veremos as coisas de modo diferente. Mas se ficarmos no meio da batalha, tudo o que veremos será muita dor, matança e culpa. Se pudermos elevar o nosso ponto de vista e olharmos para baixo, para o campo de batalha do ego, então o veremos de modo diferente. Veremos que é apenas nosso ego pulando para cima e para baixo. E veremos que realmente isso não faz nenhuma diferença. Esse processo, de fato, leva tempo. Não devemos esperar que aconteça da noite para o dia. Assim, quando ficar difícil, pelo menos reconheceremos que é apenas nosso ego criando problemas. Não é a realidade. A realidade é a existência de um Deus que nos ama e Ele nos enviou Alguém para representá-Lo, ou Jesus ou o Espírito Santo, que nos estão dando a mão e conduzindo ao longo de um período difícil.

P: É possível que seja isso o que acontece quando eu medito? É isso o que está acontecendo quando passo por períodos nos quais não consigo de jeito nenhum me encarar durante a meditação e há muita conversa interior? Isso é o ego lutando?

R: É. O que você deve fazer é reconhecer isso e não levar isso muito a sério. Não lute contra isso. Quando você luta contra isso, está tornando o problema real. Nesse caso, o que você quer fazer é dar um passo atrás, olhar para isso e rir. Há muitas passagens no Curso nas quais ele nos diz que o que temos que fazer é rir do ego. Em um certo ponto ele diz que esse sonho que nós pensamos que é o mundo é um sonho que começou quando o Filho de Deus Se esqueceu de rir (T-VIII.: -). Se pudermos rir do mundo e do ego eles deixarão de existir como um problema. A pior coisa que podemos fazer é lutar contra o problema, pois isso faz com que ele pareça real. Contudo, essa risada com toda a certeza não pode ser cínica, nem se deve pensar nela como um meio de encorajar a indiferença para com as expressões individuais específicas do problema básico da separação.

Capítulo / JESUS: O PROPÓSITO DA SUA VIDA

Eu acho que é importante falar agora de Jesus porque todas as pessoas parecem ter problemas com ele por algumas das razões que mencionei anteriormente. Tendo crescido neste mundo, seja como cristão ou como judeu, a noção que a pessoa tem de Jesus não pode deixar de ser distorcida. Em Um Curso em Milagres, ele quer endireitar as coisas. Ele quer que as pessoas o vejam como um irmão amoroso ao invés de um irmão no julgamento, na morte, na culpa e no sofrimento, ou ainda um irmão não existente. Foi por isso que o Curso veio como veio e é também por isso que Jesus torna bem claro que ele é o autor. Deixem-me dizer-lhes primeiro como Jesus descreve a si mesmo e qual é o propósito da sua vida.

Um dos conceitos mais importantes em Um Curso em Milagres é o de causa e efeito. É uma forma útil ao considerarmos toda a idéia do perdão e especialmente ao olharmos para a missão de Jesus e como ele a realizou. A própria natureza da idéia de causa e efeito é tal que não podemos ter uma sem a outra. O que estabelece que algo é uma causa é que conduz a efeitos. E o que estabelece algo como um efeito é ter vindo de uma causa.

Uma das minhas frases favoritas no Curso parece quase incompreensível. Ela diz: “A causa torna-se causa devido a seus efeitos” (T-II.l:). Essa é uma forma poética de dizer que a causa se faz causa pelos seus efeitos. Assim, o que estabelece algo como uma causa é que ela tem efeitos. Do mesmo modo, o que estabelece algo como um efeito é que ele tem uma causa. Esse é um princípio fundamental deste mundo e também do Céu. Deus é a Primeira Causa e o Efeito é Seu Filho. Deus é a Causa que estabeleceu Seu Filho como o Efeito. E como um Efeito de Deus, nós estabelecemos Deus como o Criador ou o Pai.

O princípio também funciona neste mundo, de tal modo que toda ação tem uma reação. O que isso também significa é que se algo não é uma causa não pode existir neste mundo. Tudo neste mundo tem que ter um efeito, de outro modo não existiria. Toda ação tem que ter uma reação: esse é um princípio fundamental da física. Se algo existe, terá um efeito em alguma outra coisa. Portanto, tudo o que existe neste mundo será uma causa e terá um efeito, e é esse efeito que estabelece a causa. Certo? Compreender esse princípio é muito importante porque podemos então usá-lo como uma fórmula abstrata e nos ligarmos nisso.

Vamos recordar a estória bíblica do pecado original. Quando Deus pegou Adão e Eva e os puniu, Ele expressou a punição dentro de um contexto causal. Ele disse: “Porque vocês fizeram isso, é isso que vai acontecer. Porque vocês pecaram, o efeito do seu pecado será uma vida de sofrimento”. O pecado, portanto, é a causa de todo o sofrimento deste mundo, O pecado da separação, que deu origem ao ego, dá lugar ao seu efeito: uma vida de sofrimento, dor e eventualmente morte.

Tudo o que conhecemos neste mundo é o efeito da nossa crença no pecado. O pecado, portanto, é a causa, do qual a dor, o sofrimento e a morte são o efeito. São Paulo fez uma frase brilhante quando disse: “O salário do pecado é a morte”. (Isso também é citado no Curso [T-II.:]. Ele estava dizendo exatamente a mesma coisa. O pecado é a causa, e a morte é o efeito. Não há nenhuma testemunha mais poderosa da realidade do mundo separado do que a morte. Esse é um tema proeminente no Curso.

Assim a morte vem a ser a prova definitiva de que o pecado é real. A morte é o efeito do pecado, que é a causa. Se nós agora tentamos seguir o pensamento do Espírito Santo e queremos provar que este mundo não é real e que o pecado da separação nunca aconteceu, tudo o que é necessário é provar que o pecado não tem efeito. Se pudéssemos provar que a causa não tem efeito, então a causa não pode mais existir. Se alguma coisa não é uma causa, essa coisa não é real. Tudo o que é real tem que ser uma causa e, portanto, ter um efeito. Se removemos o efeito estamos também eliminando a causa.

Agora, se o maior efeito do pecado neste mundo é a morte, ao demonstrar que a morte é uma ilusão estamos demonstrando simultaneamente que o pecado não existe. Isso também diz que a separação nunca ocorreu. Portanto, nós precisamos de alguém que nos mostre que a morte não existe. Por desfazer a morte, essa pessoa também desfará o pecado e nos mostrará simultaneamente que não há nenhuma separação, que a separação nunca ocorreu, e que a única realidade, a única Causa verdadeira é Deus. Essa pessoa foi Jesus. E a sua missão era nos mostrar que a morte não existe.

O princípio de causa e efeito é resumido da seguinte forma: No Céu Deus é a causa do Filho, ou seja, do Cristo e no Mundo o pecado é a causa do sofrimento, da doença e da morte.

Os evangelhos falam de Jesus como o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. Ele fez isso demonstrando que os pecados não tinham nenhum efeito. Vencendo a morte, ele nos livrou de todos os pecados. Contudo, essa não foi a forma das igrejas compreenderem isso, ou o que nos foi ensinado. Assim, uma das razões importantes do Curso ter vindo nesse momento, desse modo, é a correção desse erro. O que Jesus fez foi viver neste mundo—o mundo do sofrimento, do pecado, e da morte—e demonstrar que tudo isso não tinha efeito sobre ele.

Um Curso em Milagres se baseia na compreensão de que a ressurreição de Jesus, de fato, ocorreu. Estritamente falando, a ressurreição é apenas o despertar do sonho da morte. Portanto, só diz respeito à mente e não ao corpo. Mas fiel ao seu uso da linguagem tradicional cristã, o Curso freqüentemente emprega o termo ‘ressurreição’ da forma que corresponde à compreensão tradicional. Jesus disse: “Não ensines que eu morri em vão. Ensina, em vez disso, que eu não morri, demonstrando que eu vivo em ti” (T-VI.: -). Ele diz a mesma coisa muitas vezes de modos diferentes. O ponto crucial que devemos compreender é que a morte não existe, porque se a morte é real, todas as formas de sofrimento são reais e Deus está morto. Além disso, se o pecado é real, significa que uma parte de Deus se separou de Deus, o que quer dizer que Deus não pode existir. Deus e Seu Filho não podem estar separados.

Assim, Jesus pegou a testemunha mais convincente da realidade deste mundo e mostrou que ela não tinha poderes sobre ele. Esse é todo o significado de sua vida, sua missão, e sua função. Vencer a morte é mostrar que a morte não é real, que a sua causa aparente também não é real, portanto, nós nunca nos separamos de nosso Pai. Esse é o desfazer da separação, O Curso fala do Espírito Santo como o princípio da Expiação. No momento que a separação pareceu ocorrer, Deus colocou o Espírito Santo em nós, o que desfez a separação. Esse é o princípio, mas o princípio tinha que ser manifestado no mundo. E Jesus foi aquele que manifestou o principio da Expiação através da sua própria vida, sua morte e sua ressurreição.

Mais uma vez, para nos beneficiarmos com Um Curso em Milagres não é necessário que acreditemos em Jesus como nosso salvador pessoal, nosso Senhor, ou sejam quais forem as palavras que possamos escolher. Contudo, em algum nível, temos que aceitar o fato de que a ressurreição é algo que poderia ter acontecido, mesmo que não acreditemos em Jesus. Em última instância, não podemos aceitar o Curso, a menos que também aceitemos o fato de que a morte é uma ilusão. Não precisamos fazer isso de imediato, e não temos que integrar isso completamente em nossas vidas, porque no momento em que o fizermos, não estaremos mais aqui. Essa é a meta. Mas, como uma idéia intelectual, temos que reconhecê-la como uma parte essencial de todo o sistema.

P: Quando você diz que não estaremos mais aqui, quer dizer que vamos morrer?

R: Bem, de fato, quer dizer que nós não precisamos estar aqui para a nossa própria Expiação; eventualmente teremos servido ao propósito de estarmos aqui. Quando tivermos realizado esse propósito, podemos deixar esse corpo e voltar para Casa. Esse é um pensamento bom, não uma coisa ruim como usualmente o consideramos.

Esse princípio de causa e efeito também funciona em termos de perdão e Jesus nos oferece algumas das melhores demonstrações disso. Pensem mais uma vez naquele exemplo no qual eu estou sentado aqui e vem alguém e me ataca. Se eu não estiver na minha mente certa, verei essa pessoa como a causa do meu sofrimento. O meu sofrimento, portanto, será o efeito do pecado daquela pessoa. A minha reação como alguém que foi ferido, reforçará o fato de que essa pessoa pecou. Se eu estiver na minha mente certa, darei a outra face, o que nesse sentido significa demonstrar para aquela pessoa que o seu pecado contra mim não teve nenhum efeito porque eu não fui ferido. Cancelando o efeito, estou também cancelando a causa. Isso é o verdadeiro perdão.

Jesus nos deu esse exemplo, não só através da sua ressurreição, mas em várias ações no fim da sua vida. Isso é apresentado em um subtítulo que tem muita força no texto chamado “A mensagem da crucificação” (T-I). As pessoas estavam atacando Jesus, humilhando-o, zombando dele, insultando-o e finalmente o mataram. Pecando contra ele, pareciam estar causando o seu sofrimento. O fato de Jesus não os atacar de volta, mas continuar amando-os e perdoando-os, foi a sua forma de dizer que seu pecado contra ele não tinha qualquer efeito, portanto, eles não haviam pecado. Tinham apenas cometido um erro. Tinham meramente pedido ajuda. E foi assim que Jesus perdoou os nossos pecados, não apenas durante a sua vida, mas certamente em sua ressurreição. A sua ressurreição dizia claramente que o pecado que o mundo havia cometido ao assassiná-lo não havia tido efeito. Ele ainda está conosco, portanto, eles não podiam tê-lo matado, o que significa que não pecaram. Apenas olharam para o seu ‘pecado’ de modo errado. Esse é o plano de perdão do Espírito Santo descrito pelo Curso. Você desfaz a causa mostrando que ela não teve efeito algum.

A coisa mais difícil em todo o mundo é responder ao ataque com perdão. No entanto, é essa a única coisa que Deus nos pede. E também a única coisa que Jesus nos pede. E, o que é bonito, ele não apenas nos deu o exemplo perfeito de como isso deve ser feito, mas permaneceu dentro de nós para ajudar-nos a fazer a mesma coisa. Não é possível respondermos assim aos ataques do mundo se não soubermos que há alguém dentro de nós que nos protege, nos ama e nos consola, pedindo que compartilhemos o seu amor com a pessoa que nos está atacando. Não podemos fazer isso sem a sua ajuda. E esse é o apelo que Jesus faz uma e outra vez em Um Curso em Milagres—que aceitemos a sua ajuda para perdoarmos.

P: Assim, isso significa que quando perdoamos verdadeiramente uma outra pessoa depois de termos sido atacados, não é o nosso ego que perdoa, mas nós nos ‘tornamos’ a manifestação do Espírito Santo e é Ele que perdoa?

R: É. Quando Jesus diz no Curso que ele é a manifestação do Espírito Santo, quer dizer que ele não tem nenhuma outra Voz. O Espírito Santo é descrito como a Voz por Deus. Deus não tem duas vozes. Jesus não tem mais ego, portanto, a única outra Voz disponível para ele é a do Espírito Santo, e ele é a manifestação Disso. Na medida em que podemos nos identificar com ele, e nos unir a ele para compartilharmos a sua percepção do mundo (a visão de Cristo), nós também nos tornamos manifestações do Espírito Santo, e a nossa voz será a Sua Voz. Assim, toda vez que abrirmos a nossa boca para falar, será a Sua Voz que será ouvida. E é realmente isso que Jesus nos pede.

Uma das frases mais bonitas no Curso é a introdução à quinta revisão no livro de exercícios (L-pI.rV.: -). Esse é um dos poucos lugares no Curso em que Jesus fala de si mesmo. Parafraseando, a passagem seria: “Eu preciso dos teus olhos, das tuas mãos, dos teus pés. Preciso da tua voz através da qual eu salvo o mundo”. Isso significa que sem a nossa ajuda, ele não pode salvar o mundo. É isso que ele quer dizer no texto quando diz: “Preciso de ti tanto quanto precisas de mim” (T-V.: O). A Sua Voz não pode ser ouvida no mundo a menos que venha através de nós, porque ninguém pode escutá-la de outro modo. Ela tem que vir através de formas e corpos específicos neste mundo para que outros corpos possam ouvi-la. De outro modo, será sempre uma abstração simbólica que significa muito pouco. Ele precisa que deixemos o nosso ego de lado o suficiente para que ele possa falar através de nós. Existe uma oração maravilhosa do cardeal Newman que termina assim: “E, ao olharem para cima, que eles não vejam a mim, mas só Jesus”. Quando as pessoas nos ouvem falar, que elas não ouçam as nossas palavras, mas só as dele.

Não é necessário uma identificação pessoal com Jesus como uma pessoa histórica, alguém que foi crucificado e “ressurgiu dos mortos”. Nem sequer é necessário que nos identifiquemos com ele como o autor do Curso ou como nosso professor. Contudo, é necessário perdoá-lo. Se não o fizermos, estamos guardando algo contra ele, que estamos realmente guardando contra nós mesmos. Ele não pede que o tomemos como nosso professor pessoal. Ele pede apenas que olhemos para ele de um modo diferente e não o responsabilizemos pelo que outras pessoas fizeram dele. Em um certo ponto no Curso, o Espírito Santo diz: “Alguns ídolos amargos foram feitos dele que apenas queria ser um irmão para o mundo” (E-:). Assim como Freud disse: “Eu não sou um freudiano”, Jesus poderia dizer: “Eu não sou um cristão”. Nietzsche disse que o último cristão morreu na cruz, o que infelizmente é provável que seja verdade.

Resumindo, podemos recordar as palavras de Jesus em Um Curso em Milagres, que o tomemos como nosso modelo para aprendermos (T-II.: -;: -; T-in.:; T-I.:;: -). Isso certamente não significa que precisamos ser crucificados como ele foi, mas que nos identifiquemos com o significado da sua morte; o que quer dizer que quando formos tentados a nos sentirmos mal tratados, as vítimas inocentes do que o mundo fez a nós, devemos recordar o exemplo de Jesus e pedir a sua ajuda. Aos olhos do mundo, ele era sem dúvida uma vítima inocente, contudo, essa não foi uma percepção compartilhada por ele. Portanto, ele nos pede, usualmente em condições muito menos extremas do que ele em sua vida, que nos lembremos que só podemos ser vítimas dos nossos pensamentos, e que a paz e o Amor de Deus que são a nossa verdadeira Identidade jamais serão afetados pelo que os outros fazem ou parecem fazer conosco. Essa lembrança é a base do perdão e o propósito de Um Curso em Milagres é que aprendamos isso.


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